Título: Governo não consegue abafar CPI
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2005, País, p. A3

Aliados de Lula pressionam até o último minuto, mas oposição cria comissão para apurar escândalo nos Correios

BRASÍLIA - O governo não conseguiu retirar as assinaturas dos parlamentares aliados e a CPI dos Correios foi oficializada à meia noite de ontem. Depois de duas horas e meia de uma reunião a portas fechadas na liderança do governo na Câmara, os governistas chegaram no limite das desistências: 179. Com isso, faltariam nove para impedir a investigação do Congresso sobre o escândalo dos Correios. Para preservar seus aliados ¿ a maioria condicionou a retirada do nome apenas se a CPI fosse sepultada ¿ o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP) decidiu não apresentar todos os requerimentos. No fim, a CPI foi instalada com 240 assinaturas de deputados e de outras 52 de senadores. As desistências aconteceram no PSB (7), PTB (12), PT (7) e PL (1). Os momentos finais foram dramáticos. Correndo contra o tempo, governistas tentaram até a meia-noite, prazo máximo para retirada de assinaturas, convencer deputados de sua base que apóiam a CPI a recuar. Entre os argumentos usados, liberações crescentes de emendas parlamentares, que teriam atingido níveis recordes nos últimos dias, segundo levantamento da oposição, promessas de mais verbas e cargos, além de ameaças de retaliação

Desde as 21h30, o presidente do PT, José Genoino, e líderes dispararam telefonemas para deputados na tentativa de retirar ao menos 87 assinaturas. ¿Não deu¿, anunciou Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara, às 23h40. No PT, dos 19 signatários da CPI, apenas 7 seguiram a orientação do partido. De acordo com o líder governista, cada bancada saberá lidar com seus dissidentes. A oposição aplaudiu a vitória.

¿ A opinião pública pesou mais. Eles tinham medo que o povo marcasse quem foi contra a CPI ¿ admitiu o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP).

Mesmo com o fracasso, o governo ainda tem uma chance de enterrar a CPI. Apresentada pelo deputado João Leão (PL-BA), vice-líder do governo, uma questão de ordem a ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, na próxima semana, pode resultar no arquivamento do requerimento de CPI devido à suposta falta de ¿fato determinado¿ a ser investigado. O requerimento, contudo, não tem efeito suspensivo: enquanto a CCJ estiver analisando o pedido - que depois tem que passar pelo plenário do Congresso e ser derrubado em ambos por maioria simples - a CPI funciona normalmente.

Uma das estratégias definidas é instituir uma ¿CPI de alto coturno¿, para qual seriam indicados líderes da bancada governista e homens de confiança. Eles faltariam às reuniões e, assim, a comissão não sairia do papel. Outra proposta é adiar o início dos trabalhos para depois do recesso de julho. Apesar da adesão de deputados do PP e do PTB, a tentativa do governo de retirar as assinaturas da CPI esbarrou naquele que é considerado hoje o adversário número um do Planalto: o ex-governador do Rio Anthony Garotinho.

Conforme contabilizaram integrantes do alto comando da Operação Deus nos Acuda, deflagrada nas últimas 72 horas para sepultar a CPI, dos 20 parlamentares que não haviam capitulado às pressões palacianas até o fim da noite de ontem, pelo menos 15 pertenciam à ala do PMDB controlada por Garotinho. De acordo com um líder da base governista no Senado, também contribuiu para diminuir o poder de fogo da operação governista a falta de crédito do Planalto com os parlamentares, em razão da reticência palaciana para liberar emendas e repartir cargos na administração federal.

¿ A promessa do governo já não cala fundo na alma dos parlamentares ¿ diz o líder.

Se a tentativa de enterrar a abertura de investigação no Congresso tiver fracassado, o governo dará prioridade, em um primeiro momento, a votação da questão de ordem na CCJ da Câmara. Aliado do Planalto, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), discordou ontem da tese de que não há fato determinado no requerimento para instalação da CPI.

¿ O requerimento que está sobre a mesa preenche todos os requisitos constitucionais.

Durante a sessão de leitura do requerimento de criação da CPI, Leão argumentou não haver fato determinado, o que tornaria a sua instalação inconstitucional, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O presidente da CCJ da Câmara, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), prometeu colocar a questão de ordem em votação na próxima terça-feira. O governo entende que o requerimento pode ser derrubado na CCJ, onde possui maioria. A decisão precisaria ser sacramentada no plenário da Câmara, onde os governistas precisam apenas de maioria simples para confirmar a decisão. A oposição já se mobiliza para impedir a manobra. É que, para votar na CCJ, a pauta precisa ser invertida.

Com Daniel Pereira, Hugo Marques, Renata Moura e Sérgio Pardellas