Título: Governo francês se prepara para a crise
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Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2005, Internacional, p. A8

Queda do premier Raffarin é apontada como principal conseqüência de provável rejeição popular à Constituição Européia

PARIS - Com pesquisas de opinião apontando uma rejeição de 52% a 54% do eleitorado francês à Constituição Européia, o governo já pensa em como combater a crise política que começará na segunda-feira, se o ''não'' vencer no referendo à ratificação da Carta.

- Nada está decidido antes que os franceses votem - disse ontem o primeiro-ministro Jean Pierre Raffarin, cuja popularidade e capacidade de persuasão parecem ter diminuído bastante nos últimos dias.

Mas apesar das declarações alentadoras e positivas do governo de centro-direita, nos bastidores reina a resignação de que já não é possível vencer a consulta popular de domingo.

Segundo um importante membro da União por um Movimento Popular (UMP, a direita no poder), até o presidente do partido, Nicolas Sarkozy, antes um entusiasta do ''sim'', não consegue mais disfarçar su indiferença e teria afirmado a seus delegados que o ''não'' será majoritário nas urnas.

- Faz tempo que digo que tudo está perdido - disse Sarkozy, conta o membro da UMP.

Dirigentes do partido afirmam que, na intimidade, Raffarin também está pessimista e pediu a seus partidários para planejarem de que forma o governo pode se preparar para a crise que virá com o resultado do referendo.

Também antecipando uma derrota nas urnas, o presidente Jacques Chirac anunciou que não vai demitir Raffarin se o Tratado Constitucional for rechaçado. Mas não é o que analistas políticos indicam. Segundo eles, a administração francesa terá que passar por uma reformulação, sobretudo uma redução do número de ministros, e o primeiro a fazer as malas tende a ser o premier.

Será difícil para Raffarin sair ileso de mais esta crise, principalmente depois de impopulares medidas, como suspender o feriado de Pentecostes e diversas reformas educacionais e trabalhistas, acompanhadas de medíocres resultados econômicos.

E quem aparece na linha de frente para substituí-lo é justamente Sarkozy, um dos políticos mais famosos da França. Apesar de sua relação com Chirac há anos ser pontuada por rivalidades, a emissora France Inter informou que ambos mantêm conversas freqüentes e que o presidente da UMP estaria disposto a aceitar o cargo de primeiro-ministro. Sob condições, ressalta. Sarkozy quer carta branca em questões-chave da administração como trabalho, Justiça e imigração, além da garantia de poder conservar seu posto de líder do partido.

''Os ministros se agarram com força às suas cadeiras'', assegurou o jornal Le Monde, destacando que entre os métodos para segurar o emprego estão ''denegrir os companheiros, mostrar devoção aos novos favoritos e enfatizar vitórias pessoais''.

Hoje, Chirac e Sarkozy falam, em separado, a duas redes de televisão, em um derradeiro esforço para tentar convencer os cerca de 20% de eleitores indecisos a optar pelo ''sim'' à ratificação da Constituição Européia.

Reconhecendo que a missão é quase impossível, a União Européia afirmou que pedirá na noite de domingo o prosseguimento do processo de validação da Carta, mesmo se o ''não'' vencer em Paris. Para que o texto entre em vigor, o texto precisa ser ratificado pelos 25 Estados-membros do bloco.

- Seria fora do comum dizer aos outros povos que podem ficar em suas casas porque a França decidiu pelos outros - declarou ao jornal belga Le Soir o presidente em exercício da UE, o premier da Bélgica, Jean-Claude Juncker.

Juncker e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, planejam fazer uma declaração comum diante da eventual derrota na França.

- É essencial que tentemos colocar ordem no processo que continuará a partir do dia seguinte. Se o ''sim'' vencer, diremos: continuamos. Se o ''não'' vencer, diremos: continuamos - assegurou.

Ao mesmo tempo, a Áustria mostrou que está entre os países que acreditam na necessidade da Constituição comum européia. A Câmara alta do Parlamento (Bundesrat) ratificou o texto ontem, com 59 votos a favor e 3 contra. Lituânia, Hungria, Eslovênia, Itália, Grécia, Eslováquia e Espanha também já confirmaram adesão à legislação.