Título: Tráfico cobra conta d'água
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2004, Rio, p. A-13
Moradores da Favela do Vidigal, em São Conrado, denunciam que a taxa mensal paga pelo consumo de água na comunidade é usada a serviço do tráfico de drogas. Em vez de pagar pelo serviço à Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), a comunidade é forçada a entregar o dinheiro para a Associação de Moradores. A quantia arrecadada na favela, segundo denúncias dos moradores, não é repassada para a Cedae. A Polícia Civil tem informações de que o dinheiro é usado pelo bando do traficante Patrick de Souza Martins, que está preso em Bangu 3. Para ter água em casa, os moradores da favela pagam uma taxa única de R$ 15, que é cobrada mensalmente. Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), com base no censo de 2000, o Vidigal tem 9.364 moradores e 2.757 domicílios.
- Há pelo menos três anos, a conta de água não chega pelo correio nas nossas casas. Não é todo dia que temos água. O morador tem um dia certo para encher a caixa d' água - conta uma moradora.
Segundo informações da comunidade, quem não paga a tarifa mensal tem o cano de água lacrado por ordem da Associação de Moradores. Os representantes comunitários receberiam ordens do traficante Patrick de Souza Martins, ligado à facção Comando Vermelho (CV), que determina a cobrança. Nos últimos três anos, a Associação de Moradores do Vidigal já mudou a presidência pelo menos por três vezes.
- Na favela todo mundo sabe que a associação tem acordo com o tráfico. A última presidente foi expulsa da favela pelos traficantes depois que ficou sem o apoio do Patrick - denuncia a moradora.
Dividida em duas facções criminosa: Amigos dos Amigos (ADA) e Comando Vermelho, a Favela do Vidigal vive uma guerra interna entre os traficantes rivais. De acordo com informações da polícia, depois que assumiu o controle do tráfico na favela, o traficante Ailton Francisco da Silva, o Toquinho, assassinado recentemente na Rocinha, teria abolido a cobrança pelo serviço. O traficante também teria ordenado o fim do pagamento de pedágio da cooperativa de mototaxistas. No último fim de semana, o fiscal da cooperativa Jarbas da Silva Santos, 25 anos, foi assassinado porque teria se recusado a pagar o pedágio.
- As pessoas não contestam o fato de o dinheiro ser entregue à associação. Sobrevivemos na favela com medo - desabafa uma moradora.
Procurados pelo JB, os líderes comunitários mais recentes do Vidigal não foram encontrados. De acordo com moradores, a associação está fechada.
Segundo a Cedae, até dois meses atrás, a empresa encaminhava as contas da comunidade para a Associação de Moradores do Vidigal. A Cedae admite, entretanto, que desconhece o motivo pelo qual o pagamento de algumas contas não era repassado para a empresa. De acordo com a estatal, há dois meses o departamento comercial da empresa foi procurado pela presidente da Associação de Moradores do Vidigal para negociações. A representante da associação - que deixou o cargo recentemente - pretendia regularizar a situação das contas devidas pela comunidade.
Após reuniões entre a empresa e a então presidente da associação, o sistema de entrega da cobrança foi modificado. As contas estão sendo entregues em um núcleo da Cedae no Vidigal. A Cedae informou ainda que a dívida das residências de 50 a 150 metros quadrados pode ser parcelada em até 60 vezes.
A Polícia Civil tem informações de que o Comando Vermelho está enfraquecido no Vidigal. Com poucos homens e armas, o CV deverá ser dominado pelos rivais com o apoio de traficantes da Rocinha.