Título: Especulação com endereço certo
Autor: Marcelo Kischinhevsky e Janaína Leite
Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2004, Economia & Negócios, p. A-17

Os telefones das mesas de operações dos principais bancos brasileiros no eixo Rio-São Paulo começaram a tocar com insistência maior do que a habitual no fim da manhã de ontem. Do outro lado da linha, executivos das matrizes no exterior, preocupados com boatos sobre uma iminente saída do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que estaria insatisfeito com a ingerência política sobre o Comitê de Política Monetária (Copom). Naquele exato instante, véspera da decisão do BC sobre a taxa básica de juros, o país se tornava alvo de um clássico exemplo de ataque especulativo. O boato, segundo dez em cada dez operadores do mercado financeiro, veio diretamente de Wall Street e fez estragos, depreciando os ativos do Brasil. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, fechou em baixa de 2,21%, aos 22.892 pontos, nível mais baixo desde 27 de setembro. O dólar comercial subiu até 0,98%, chegando a R$ 2,887 antes de encerrar em alta de 0,69%, vendido a R$ 2,879. No fim da tarde, o risco Brasil calculado pelo banco americano JP Morgan avançava 3,86%, para 484 pontos, e o C-Bond, principal papel da dívida externa, caía 0,44%, para 98,56% de seu valor de face.

Depois de forçar a desvalorização dos papéis brasileiros, segundo operadores, os mesmos bancos que plantaram o boato foram às compras, embolsando milhões de dólares com a dança das cotações dos títulos da dívida nacional. O rumor, apontam analistas, veio justamente na esteira da queda dos T-Bonds, bônus do Tesouro americano que servem de referência para o mercado internacional.

- O boato trouxe muita volatilidade, mas não tem o menor fundamento. O Banco Central teve autonomia para subir os juros no mês passado e vem tendo sucesso no combate à inflação. Além disso, o presidente do BC enfrentou momento muito mais delicado, na época das denúncias de irregularidades fiscais e resistiu - afirmou Adauto Lima, economista-sênior do banco alemão West LB. - Não acredito em interferência política na condução do BC com a atual diretoria.

O nervosismo, no entanto, encontrou terreno fértil devido às informações de supostas pressões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o BC não elevasse os juros pelo segundo mês consecutivo, em nome da sustentabilidade do crescimento econômico. No mês passado, circularam pelo Planalto versões de que a taxa básica só havia subido 0,25 ponto percentual, para 16,25% ao ano, devido a um pedido expresso de Lula.

A suposta disposição do presidente do BC de pedir o boné teria sido partilhada com companheiros do governo e banqueiros, que teriam dado início a um movimento de venda dos papéis da dívida brasileira.

- Não somos os malvados, mas é claro que aproveitamos para negociar diante de situação atípica - disse o encarregado de assuntos latino-americanos de um grande banco europeu.

No fim da tarde, assessores da direção do BC desmentiram os boatos, mas o estrago já estava feito. Investidores que não participaram do ataque especulativo se assustaram com a possibilidade de uma reviravolta na política de autonomia na gestão da política monetária, que, se não está garantida em lei, vem ocorrendo de fato no governo Lula.

Os boatos sobre a saída de Meirelles foram tão intensos que prejudicaram o primeiro dia de reunião do Copom. À tarde, houve uma enxurrada de ligações para diretores e assessores da autoridade monetária em busca de informações precisas.

Em meio ao fogo cruzado, o Senado aprovou ontem a indicação de Rodrigo Telles da Rocha Azevedo para a Diretoria de Política Monetária do BC. O placar foi favorável ao governo em 37 votos a seis. Azevedo substituirá Luiz Augusto Candiota, que pediu demissão em julho passado, após ser acusado de sonegação e evasão de divisas.

A sessão na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado começou às 10h46, pouco antes do início do ataque especulativo. Durou menos de duas horas e não incluiu perguntas difíceis. Cauteloso ao falar sobre juros, o novo diretor do BC advertiu sobre as pressões inflacionárias na economia.

- Neste momento vivemos sob o regime de metas de inflação. Não podemos ter dois objetivos conflitantes - respondeu ao senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sobre as razões do BC para não baixar mais os juros e acelerar o crescimento econômico.