Título: Inflação e juros corroem salários
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Fonte: Jornal do Brasil, 26/05/2005, Economia e Negócios, p. A17

Alta da taxa básica provoca redução de vagas na indústria, e renda do trabalhador cai 1,8% em abril. Desemprego fica estável

Após três meses de alta, a renda do trabalhador brasileiro voltou a cair e ficou 1,8% mais baixa em abril, ante março. O rendimento médio caiu de R$ 955,44 para R$ 938,70. O efeito negativo sobre o salário ocorreu devido ao fechamento de 100 mil postos de trabalho na indústria, setor mais sensível à política monetária e com melhores salários, e também por conta da inflação. Na comparação com abril de 2004, o rendimento subiu um pouco (0,8%), mas mostrou desaceleração em relação aos meses anteriores, quando chegou a aumentar 2,6% em fevereiro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o nível de ocupação na indústria caiu 2,9% em relação a março.

A perda, porém, foi compensada por outros setores e o saldo foi a criação, ao todo, de 21 mil vagas em abril. Com isso, a taxa de desemprego ficou estável, atingindo 10,8% da população economicamente ativa, nas seis maiores regiões metropolitanas do país.

Entretanto, a previsão para os próximos meses é de piora no mercado de trabalho, por conta do efeito dos juros mais altos.

- A situação é preocupante quando se compara com a evolução que vinha se dando no mercado de trabalho. Há queda no rendimento, perda no contingente da indústria na região metropolitana de São Paulo e redução no número de trabalhadores com carteira assinada - disse Cimar Azeredo Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.

De acordo com o IBGE, como a indústria é o ramo que melhor remunera, a redução do nível de emprego no setor influencia o rendimento como um todo. Só na indústria paulista, 97 mil vagas foram eliminadas de março para abril.

Para Marcelo de Ávila, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ''é possível'' que os juros mais altos tenham afetado a disposição do empresário de empregar, movimento sentido com mais intensidade na indústria.

Os juros elevados também atingiram o emprego, segundo ele, de outro modo, ao conterem a demanda e levarem ao ''arrefecimento do nível de atividade econômica''.

- Havia um padrão positivo, mas em abril isso não se confirmou. O mercado de trabalho não mostrou o mesmo vigor de antes - afirmou Ávila.

Sobre o rendimento, Ávila disse que a queda de abril ''mais do que anulou os ganhos do primeiro trimestre'' e que o desempenho da indústria surpreendeu negativamente, embora ainda seja cedo para dizer se o emprego e a renda ingressarão, a partir de agora, numa trajetória de declínio.

- O que os dados mostram é que o mercado de trabalho ficou em compasso de espera em abril - analisou.

Segundo o IBGE, 2,364 milhões de pessoas estavam sem trabalho em abril nas seis principais regiões metropolitanas do país. Na comparação com abril de 2004, foram criados 630 mil empregos - mais 3,3%. De março para abril, a geração de vagas ficou praticamente estável em 21 mil.

Segundo o IBGE, a única região metropolitana a registrar aumento do desemprego foi Salvador, onde a taxa passou de 15,7% para 17%. Em compensação, houve queda em Belo Horizonte, de 10,7% para 9,5%. O desemprego ficou estável em São Paulo (11,4%), Rio de Janeiro (8,6%), Porto Alegre (8%) e Recife (13%).

Para Alex Agostini, da GRC Visão, tanto o câmbio como os juros altos já contaminaram o desempenho do emprego e sinalizam que o Banco Central errou na dose ao aumentar tanto a taxa Selic.

- O BC deveria olhar os dados de emprego e interromper a alta dos juros, que já deveriam ter parado de subir há alguns meses. O problema é que o BC coloca o nível de atividade como último indicador a ser observado em sua lista de prioridades - disse.

Segundo Cimar Pereira, a pesquisa revela ainda o ressurgimento da informalidade.

- Numa primeira leitura, isso pode mostrar o início desse processo. Quando há crise no mercado de trabalho, o primeiro item afetado é o trabalho formal.

De março para abril, o número de trabalhadores com carteira assinada teve queda de 3.000 pessoas, numa inversão da tendência registrada em meses anteriores.