Título: Padronizem os puxadinhos
Autor: Raul Canal
Fonte: Jornal do Brasil, 28/05/2005, Brasília, p. D2

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) quer barrar a proliferação dos puxadinhos nas comerciais do Plano Piloto e, para isso, espera contar com a ajuda do Legislativo. O que o Iphan deseja é fazer com que o comércio local volte às suas características originais do projeto urbanístico de Lúcio Costa que poucos conhecem. Quando venceu o concurso para a construção de Brasília, Lúcio Costa previa um comércio estritamente local, onde os moradores fossem a pé e poderiam comprar o remédio, o pão, a carne em comércio exclusivo para as quadras. As portas de acesso e vitrines seriam voltadas para as quadras, e o estacionamento de uso exclusivo para carga e descarga.

Em 45 anos, o projeto de Lúcio Costa sofreu pequenas alterações, mas o tombamento do Plano Piloto, que visa preservar as características fundamentais do projeto urbano de Lúcio Costa, que tem por objetivo a preservação das ''Escalas Urbanas'', definidas pelo arquiteto, continuam inalteradas. Basta uma volta pelas comerciais e já se verifica que, nesse período, ali se instalou um comércio amplo e variado, onde todos os moradores de Brasília têm acesso, independente de morar ou não na quadra. O fato das lojas terem optado por abrir portas prioritariamente para a rua foi uma alteração espontânea totalmente compreensível e, eu diria, até positiva para a cidade que conseguiu uniformidade em seus comércios. E essa alteração em nada mudou a chamada ''Escala Residencial'', que faz parte do tombamento, mantendo inalterado o conjunto superquadras-entrequadras-comércios locais.

Portanto, a proposta original de Lúcio Costa em nada foi alterada e corresponde exatamente à escala da vida cotidiana, ou seja, a Escala Residencial: os comércios locais atendem à comunidade local e são cheios de vida na medida certa. Em que pese a falta de qualidade arquitetônica, os comércios locais, ao contrário do que são acusados, contribuem para a preservação do Plano Piloto em termos de uso.

Os que acusam os comerciantes de abusarem indevidamente das ocupações de áreas públicas desconhecem que elas são autorizadas pelos órgãos do GDF, com aprovação do respectivo projeto, com arquiteto responsável e pagamento de taxas cujos valores são estabelecidos por metro quadrado para cada ocupação. Desconhecem ainda que os comerciantes estão respaldados por lei distrital, que permitiu o avanço de até seis metros. Portanto, não existe irregularidade e as ocupações têm o aval dos poderes Executivo e Legislativo.

Acontece que, a cada mudança de Governo, as discussões sobre os puxadinhos vêm à tona, trazendo insegurança e instabilidade para os comerciantes que investem tempo e dinheiro para a melhoria do seu estabelecimento. Como investir em uma obra bonita e de qualidade se a cada momento o comércio local é ameaçado com a derrubada da obra? É preciso considerar que a colocação de mesas de bares e restaurantes nas calçadas é comum em todas as cidades do Brasil e do mundo e esta prática, em Brasília, adquiriu personalidade própria pela presença de áreas verdes contíguas, tornando-se parte integrante da paisagem e da vida normal dos moradores.

Antes de mais nada é preciso fazer a distinção entre invasão de área pública (que independente da área invadida ser ou não tombada) e preservação (que tem a ver com o tombamento tal como foi concedido, ou seja, da preservação das Escalas Urbanas definidas pelo Plano Piloto de Lúcio Costa.

É extremamente salutar a idéia do Iphan de desenvolver uma campanha de educação patrimonial em Brasília, que deve ser disseminada dentro do próprio órgão antes de direcioná-la ao Legislativo e ao Judiciário, acusados injustamente de serem os responsáveis por leis e liminares que ferem o tombamento, já que a ''Escala Residencial'' está integralmente mantida. Se assim pensa o Iphan, é porque o órgão ainda não tem afinidade com o que realmente é o tombamento de Brasília.

O que os comerciantes desejam é a tranqüilidade de poderem exercer suas atividades sem serem surpreendidos com a visita inesperada de fiscais que freqüentemente batem às suas portas empunhando notificações e multas arbitrárias. Os comerciantes querem sim usar as áreas livres, independente de serem ou não áreas públicas, com discernimento e responsabilidade. A ninguém interessa o errado. Os comércio local quer trabalhar corretamente, pagar seus impostos e taxas em dia, gerar emprego e renda, e que o poder público estabeleça limites e critérios que coíbam os abusos. Não se admite o desleixo de algum comércio que faz do fundo de suas lojas depósito de lixo e de entulho, mas trabalhar em um espaço de 30 metros quadrados é totalmente inviável.

Está na hora de definir um projeto que padronize as lojas comerciais, que mantenha a identidade visual da arquitetura dos comércios locais como originalmente projetado, de forma a assegurar que a ampliação de eventuais instalações comerciais possa ocorrer sem prejuízo da definição do espaço no sentido da preservação da Escala Residencial, aliás, como já vem acontecendo.