Título: Protestos voltam, após feriado
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/05/2005, Internacional, p. A9
Manifestantes bloquearam estrada entre La Paz e El Alto. Ministra da Educação renunciou por discordar do governo
LA PAZ - Bloqueios de estradas e marchas de protesto de indígenas e camponeses marcaram ontem o fim de uma efêmera trégua de apenas um dia na Bolívia, no momento em que o governo tenta aplacar a grave crise política no país. As mobilizações pela nacionalização dos hidrocarbonetos, a convocação de Assembléia Constituinte e contra movimentos regionais de autonomia foram retomadas depois do feriado de Corpus Christi, que serviu para dar um pouco de tranqüilidade a La Paz.
A capital vem sendo palco de manifestações populares desde o início da semana, nas quais participam camponeses, professores, mineiros, comerciantes e trabalhadores.
Grupos de manifestantes tentaram entrar ontem na Plaza Murillo, onde ficam localizados o Palácio Quemado (presidencial) e o Congresso, mas foram repelidos pela polícia.
Os protestos foram intensos sobretudo na estrada que liga La Paz à cidade de El Alto. Centenas de manifestantes apedrejaram alguns veículos e a polícia revidou lançando gás lacrimogêneo, disse o chefe policial, coronel Hernán Jaimes.
Em constante clima de tensão, o governo do presidente Carlos Mesa fazia esforços para o estabelecimento de um diálogo no país por meio da formação de comissões de trabalho.
- Demos início a negociações com diferentes setores e estamos levando adiante encontros com dirigentes dos movimentos sociais de El Alto e outros - afirmou o ministro da Presidência, José Galindo. - Esperamos chegar a um consenso nos próximos dias e levar adiante a agenda comum.
Mas a ministra da Educação, María Soledad Quiroga, não conseguiu esperar e renunciou ontem, por divergir do governo. Os professores bolivianos participam da greve pela estatização da exploração do gás e do petróleo a convocação de uma Assembléia Constituinte, mas também querem aumento de salário.
Já o comando militar informou que os dois tenentes-coronéis que supostamente exortaram os bolivianos a derrubarem Mesa e a fecharem o Congresso foram afastados do cargo por sedição e rebeldia.
Julio Herrera Pedrazas e Julio César Galindo Mendizábal, agora ex-oficiais, foram punidos pelo tribunal do Comando Geral do Exército, que instaurou processo disciplinar contra eles e determinou que ambos cometeram ''faltas suficientemente graves contra a honra e a dignidade'' da instituição militar.
Herrera e Galindo divulgaram na quarta-feira um comunicado a um grupo de militares de escalão médio denominado ''Movimento Militar Geracional'', que demandava, além da renúncia presidencial, o fechamento do Congresso e a nacionalização dos hidrocarbonetos.
Os militares negaram que estivessem por trás de um golpe de Estado, mas disseram ter um ''plano de governo bem estruturado''. Em outro trecho do pronunciamento, afirmaram:
- Existem aqui militares e civis patriotas que querem defender a soberania e a dignidade nacional.
Em conseqüência da crise política, a popularidade do presidente Mesa diminuiu de 60% para 44%, o nível mais baixo em seus 20 meses de gestão. Esta administração, independente e sem partido político, começou com o apoio de nove entre dez bolivianos, logo depois de uma sangrenta rebelião popular que culminou com a renúncia do presidente direitista Gonzalo Sánchez de Lozada, em outubro de 2003.
A pesquisa de popularidade de Mesa foi realizada pela agência privada Apoyo, Mercado y Opinión, sob encomenda do jornal La Razón.
A popularidade do presidente, debilitado por uma série de conflitos com o Congresso e por uma disputa regional pela liderança nacional, caiu inclusive na cidade indígena de El Alto, onde no entanto mantém o apoio de 54% da população. Sua situação piorou na província de Santa Cruz, onde apenas 18% dos bolivianos o apóiam. Santa Cruz defende um projeto autonomista contrário ao atual regime centralizador representado por Mesa.
O estudo entrevistou pouco mais de mil bolivianos nas cidades de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz, que concentram a maior parte da população urbana do país.