Título: A queda da natalidade
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 28/05/2005, Opinião, p. A11

A expressão ''cortina de fumaça'' faz lembrar manobras estratégicas no campo de batalha, como também recursos falaciosos para camuflar males ou deles desviar a incômoda atenção do público.

Vivemos momentos difíceis em que o governo luta pelo bem-estar da Nação, sem entretanto alcançar todas as metas anunciadas.

Compreendo que organismos de administração pública são acossados pela opinião nacional, que às vezes é implacável, pois sabe cobrar e nem sempre colaborar. Contudo, qualquer resolução a ser tomada por setores da administração pública e que tenha aparência de ''cortina de fumaça'', é um erro funesto.

Refiro-me à mais nova - e já são tantas! - campanha para reduzir o nascimento do pobre neste país imenso e tão dotado pela Providência.

Em vez de um esforço concentrado para suprimir as raízes da miséria existente, anuncia-se o recurso a práticas que ferem princípios éticos, como a esterilização de mulheres das classes necessitadas.

É inegável a onda avassaladora da degenerescência moral. Aí está a corrupção reinante em certas áreas, como as relacionadas com o lenocínio (diga-se motéis), com a jogatina, a droga e a pornografia, o que representa a destruição pura e simples dos valores éticos. Em vez de enfrentar tal situação, indo às causas reais de nossas mazelas, proclama-se, como importante ajuda ao Brasil, a redução do nascimento de pobres em um país tão rico!

Evidentemente, todos estão de acordo sobre o fato de que a paternidade responsável é um direito da família, como é dever do estado democrático não ter uma ingerência no lar ultrapassando os limites. Eles são bem expostos na encíclica Humanae vitae: ''Nós queremos dizer aos governantes, que são os principais responsáveis pelo bem comum e que dispõem de tantas possibilidades para salvaguardar os costumes morais: não permitais que se degrade a moralidade das vossas populações; não admitais que se introduzam legalmente naquela célula fundamental, que é a família, práticas contrárias à lei natural e divina. Existe uma outra via, pela qual os poderes públicos podem e devem contribuir para a solução do problema demográfico: é a via de uma política familiar providente, de uma sábia educação das populações, que respeite a lei moral e a liberdade dos cidadãos'' (nº 23). Já em Populorum progressio (nº 48 a 55), o papa Paulo VI alertava os governos dos países em desenvolvimento que as notórias dificuldades, nesse campo, não seriam resolvidas com o apelo a métodos e meios ''que são indignos do homem''. A verdadeira solução encontra-se somente num progresso econômico e social que respeite e fomente os genuínos valores humanos, individuais e sociais.

As diferenças de posição diante do problema demográfico decorrem de uma visão, materialista ou não, do homem e da vida. E como todos condenam a ditadura, certamente ninguém irá atacar a Igreja, que usa da liberdade concedida a cada cidadão de manifestar suas idéias e por elas propugnar por meios lícitos.

Em agosto de 1986, em artigo aqui publicado, apresentei com dados comprobatórios - não sofreram contestação - que, sem qualquer programa oficial, claro ou com subterfúgio, vem sendo cada vez mais descendente, no Brasil, a curva da natalidade.

O Anuário Estatístico de 1985, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, revelou que, até o ano de 2025, a curva da natalidade será descendente. Isto significa que, por esta época, o crescimento se aproximará da taxa zero. Os dados mais recentes revelam o aceleramento dessas mudanças.

Alegro-me com o zelo patriótico em resgatar o Brasil da miséria que destrói milhões de seus filhos e envergonha a nação. Infelizmente, anunciam como remédio salvador: reduzir os filhos do pobre.

A verdade é outra: há 1% de brasileiros - os mais ricos - que possuem 13% do total da renda nacional. E esta parcela corresponde, quase exatamente, ao que cabe aos 50% mais carentes.

A conclusão é fácil: se a pobreza aumentou, enquanto caía a natalidade, o que determina a indigência clamorosa, no Brasil, não é o crescimento demográfico. O fator é, sim, de ordem social. E como conseqüência, para corrigir tamanho desnível entre dois Brasis numa mesma área geográfica, busca-se, com afinco, um culpado: à mãe pobre joga-se a responsabilidade dos males advindos da insensibilidade de uma minoria e de erros acumulados.

Corre-se o perigo de uma acusação, mesmo infundada, mas sempre perniciosa, de uma ''cortina de fumaça'' a encobrir nossos reais problemas que, espero firmemente em Deus, serão resolvidos sem a utilização de panacéias.

Apelar para a paternidade responsável, por meios que não firam a consciência de muitos brasileiros, não é difícil. Sem alarde e quase sem custo financeiro, as instruções sobre os métodos naturais poderão chegar a todos os recantos deste país, através das denominações religiosas que empregarão os meios necessários para levá-los aos seus fiéis, às paróquias, capelas, pequenas comunidades eclesiais. Isto é viável. Certamente, será muito menos dispendioso ao tesouro nacional. Contudo, como condição de não haver, paralelamente, o incentivo a práticas que atentem contra a dignidade pessoal e nacional. Refiro-me à esterilização, ao emprego do DIU, anovulatórios etc, publicamente apoiados por entidades estrangeiras.

Todo o esforço deve ser canalizado para acelerar a supressão das verdadeiras causas da miséria no Brasil.