Título: ''O corruptor é o Executivo''
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 28/05/2005, País, p. A4

Entrevista: Jorge Bornhausen

O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, foi uma das primeiras vozes a favor da instalação da CPI dos Correios

BRASÍLIA - Uma das primeiras vozes a favor da instalação da CPI dos Correios, o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, vê na investigação a possibilidade de o Congresso recuperar parte de sua credibilidade, afetada por denúncias de corrupção. ¿ Minha preocupação é que o Congresso não seja desmoralizado, por isso tem de cortar na sua própria carne ¿ diz Bornhausen.

Criada, a CPI dividirá as atenções do PFL com a elaboração de seu plano de governo para as eleições presidenciais de 2006. A reedição da chapa com o PSDB está descartada no primeiro turno, até porque o modelo econômico dos tucanos é considerado ¿ultrapassado¿ pelo pefelista. A idéia é que o candidato do PFL, o prefeito Cesar Maia, empunhe a bandeira ¿menos imposto e mais emprego¿ e reforce o discurso que aponta incompetência na atual gestão.

¿ Nossa estratégia é criar as condições de derrotar um presidente que ganhou a eleição pregando que a esperança vencesse o medo. Ele já conseguiu que a incompetência vencesse a esperança ¿ declara Bornhausen, que considera barbada a derrota de Lula em eventual segundo turno.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, o senador demonstra ainda ceticismo em relação à aprovação da reforma política.

¿ A CPI dos Correios é imprescindível? ¿ O PFL faz oposição responsável e fiscalizadora e, por isso mesmo, foi um dos partidos que lideraram a coleta de assinaturas para a instalação da CPI. Fizemos isso no intuito de defender o Congresso, de depurar os seus vícios, e de manter esse pilar da democracia sem ser atingido perante a sociedade. O hábito de pré-julgamentos não é do PFL. Cabia ao PT fazer isso. Todos aqueles que forem citados devem ser respeitados no seu direito de defesa. Agora, se há alguma coisa de irregular, como tudo parece indicar, temos de ir fundo e punir os responsáveis.

¿ É pagamento de mesada o que paira no ar? ¿ Há uma constante denúncia da existência de mesadas na Câmara. Ainda não ouvi nada no Senado, mas acho que isso tem de ser examinado em ambas as casas. Se estiver ocorrendo esse fato, que é da maior gravidade, porque afeta a credibilidade do Legislativo, os partidos ou os parlamentares denunciados, assim como os corruptores, deverão ser punidos na forma da lei. E no caso de parlamentares, evidentemente, acrescentada a perda do mandato. Acho que é a melhor maneira de preservarmos a instituição democrática do Congresso.

¿ O governo diz que há muita fumaça e pouco fogo nesse caso? ¿ A reportagem da Veja não ficou restrita apenas aos Correios, cita vários órgãos do governo. Tem que verificar tudo. É evidente que, embora altamente desagradável, trata-se de curar um tumor também interno, porque o processo de corrupção tem o corruptor e o corrompido. O corrompido é o partido, o parlamentar. O corruptor é o Executivo através de agentes que retiram recursos públicos e fazem esses pagamentos. Todos têm de ser punidos. A minha preocupação é que o Congresso não seja desmoralizado, por isso tem de cortar na sua própria carne. Esse fato é muito semelhante àquele ocorrido na CPI do Orçamento. Muito se falava e pouco se sabia. Quando foi aberta a caixa da Comissão de Orçamento, teve até morte. Então, é preciso que, com direito amplo de defesa, tudo isso seja transparente perante o Congresso e a sociedade. Doa a quem doer.

¿ A CPI não emperra a votação de projetos prioritários? ¿ Muito pior do que atrapalhar uma reforma é desmoralizar o Congresso, porque aí entramos numa crise institucional. O neopopulismo que volta com muita força na América Latina tem esse caminho ¿chavista¿, de desmoralizar o Legislativo e o Judiciário, fazer uma nova Constituinte, dar amplos poderes ao Executivo. Isso é uma perda de equilíbrio.

¿ O senhor acha que isso está na agenda do governo Lula? ¿ Não estou dizendo que está na agenda. Mas, na medida em que há desmoralização do Judiciário e do Legislativo, esse caminho sempre fica fácil. E tentador. Não queremos abrir caminhos para qualquer pessoa cometer o neopopulismo e dar ao Executivo poder amplo em relação aos demais poderes.

¿ Como o PFL se apresentará ao eleitorado em 2006? ¿ No dia 16 de junho, concluiremos uma grande etapa, que é a apresentação de uma nova proposta de programa do partido. Contratamos especialistas da melhor qualidade no Brasil para que formulassem propostas a respeito de um modelo econômico que permita sairmos deste nó em que o Brasil se encontra e chegarmos a um ponto de desenvolvimento com geração de empregos.

¿ O senhor pode citar a bandeira principal? Quem levará essa proposta ao eleitorado? ¿ Queremos um país com menos impostos e mais empregos. Será apresentada por um candidato do PFL à presidência da República, cujo nome já está lançado desde 16 de dezembro, que é o prefeito Cesar Maia.

¿ Então, está descartada uma composição com o PSDB? ¿ Estamos na firme disposição de candidatura própria. Até porque, no entendimento das lideranças do PFL, a eleição será travada especialmente no primeiro turno, porque, se tivermos o segundo turno, Lula estará automaticamente derrotado. As outras forças se unirão contra ele. A nossa estratégia é ter candidato próprio para que a soma dos diversos candidatos da oposição venha a criar as condições de derrotar um presidente que ganhou a eleição de 2002 pregando que a esperança vencesse o medo. Ele já conseguiu que a incompetência vencesse a esperança. É de importância fundamental para a sociedade derrotar um governo incompetente.

¿ As pesquisas apontam vitória do presidente Lula no segundo turno contra qualquer candidato. O que leva o senhor a crer o contrário? ¿ A pesquisa do segundo turno só vale a partir da instalação do segundo turno. Faça um retrospecto da eleição nos grandes centros. Nenhum prefeito conseguiu se reeleger no segundo turno. Os que se reelegeram ganharam no primeiro turno, como foi no Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte. Isso é uma regra que está ficando muito clara.

¿ Nenhum dos derrotados tem o carisma e a popularidade do presidente Lula... ¿ Os especialistas europeus dizem que as eleições podem tomar três rumos: o da proximidade, o da competência e o da política. Na eleição dos Estados Unidos, certo ou errado, o Bush se elegeu pelo viés da política. Na recente eleição de Portugal, foi o viés da competência, porque o primeiro-ministro estava falhando na administração pública. A eleição de 2002 foi o viés da proximidade, que foi o de Lula. Queremos mostrar para a sociedade que a discussão tem que ser pela competência. O presidente atual não tinha plano de governo. Tivemos um espetáculo montado na TV.

¿ O senhor falou de competência. Dados macroeconômicos no governo atual são melhores do que o do anterior, do qual o PFL fez parte... ¿ Não estamos nessa guerra do governo anterior com o atual. Esse modelo econômico está ultrapassado. Quando o governo Lula, que não tinha programa econômico, adotou o programa anterior, e por não ter credibilidade suficiente exagerou na sua ação, ele ficou num nó. Não saiu daquele programa de estabilidade e não produziu aquilo que se esperava num momento em que o comércio mundial cresceu de forma excepcional. Aliás, foi o que salvou o Brasil, não foi o governo, que só atrapalhou aumentando impostos.

¿ A carga tributária atual é menor do que o recorde herdado do governo anterior... ¿ A taxa de 2002 não serve de comparação por causa do recolhimento atípico e da taxa de crescimento. Isso é uma falácia feita pelo PT, que, não tendo competência para achar um novo modelo, fica comparando com o que está ultrapassado. Estamos no desafio de mostrar o novo modelo econômico para a sociedade. Não queremos discussão entre o passado e o presente. Queremos um futuro de estabilidade, desenvolvimento e geração de empregos.

¿ Como se desmonta esse modelo tributário construído na gestão anterior? ¿ Só tem um caminho: cortar gastos públicos. O maior erro da gestão anterior foi aumentar tributos sem diminuir gastos públicos. Estou muito à vontade, porque além de não ter votado aumento dos tributos, de ter ficado contra a CPMF, também sou autor do Código de Defesa do Contribuinte, que está tramitando no Congresso. O governo atual aumentou os gastos para fazer mais caixa, para (acomodar) os incompetentes que perderam as eleições nos estados. Vivem sob crises éticas. O crescimento não se deve ao governo, o crescimento é apesar do governo, que atrapalhou o setor produtivo da sociedade com o aumento constante de tributos, da burocracia e dos gastos públicos.

Que projetos importantes estão na agenda do PFL? ¿ Não votaremos a MP 242, que, a título de combater a fraude na previdência, o faz da maneira mais cruel possível, diminuindo os benefícios dos doentes do INSS. Seremos intransigentes contra o projeto que modifica, tirando poderes, a independência das agências reguladoras. Queremos avançar, de projetos de autores do PFL, o Código de Defesa do Contribuinte, que torna o contribuinte num cidadão e não num súdito.

¿ Há alguma área do governo Lula digna de elogio? ¿ Não vejo eficiência e competência em nenhuma área do governo. Mesmo a econômica não pode ser considerada competente se vive de tributos. A política externa brasileira é um fracasso. Estamos sempre andando para trás, afrontando nossos principais parceiros, regredindo para o terceiro mundo, fazendo visitas a presidentes inúteis, a ditadores, a países que não têm nenhuma perspectiva de aumentar comércio com o Brasil.

¿ A reforma política sairá neste governo? ¿ Gostaria muito e acredito pouco, porque os interesses momentâneos estão prevalecendo sobre os interesses do país. A reforma política tem sido sempre um instrumento de barganha e não um instrumento para atender o país.