Título: Uma votação de alto risco
Autor: Ivna Maluly
Fonte: Jornal do Brasil, 29/05/2005, Economia e Negócios, p. A18

Acordos comerciais ficam ameaçados caso França reprove constituição européia BRUXELAS - Se a França votar contra a ratificação do Tratado Constitucional da União Européia (UE) no referendo marcado para hoje, a decisão pode prejudicar os países em desenvolvimento, como o Brasil. A pior conseqüência seria para as negociações de tratados comerciais entre a União Européia e o Mercosul, diz o Conselheiro da Missão do Brasil junto à União Européia, Carlos Márcio Cozendey.

Os líderes e os ministros de Exteriores dos 25 países da União Européia deram inicio à aprovação do Tratado Constitucional no fim do ano passado, em Roma, e o processo durará no máximo dois anos. Porém, se um único país não respaldar o texto, ele não entrará em vigor para nenhum dos sócios. Além da França, ainda faltam aprovar o texto Inglaterra, Polônia, Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Portugal e Dinamarca.

- Um não poderia paralisar o processo de construção europeu e torná-lo mais introspectivo, já que seria necessário realizar uma reflexão interna sobre os rumos da UE - afirma.

A UE e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) negociam desde 1995 um acordo de livre comércio, que - pelo calendário - deveria ter sido finalizado em outubro de 2004. Mas por divergências nas trocas das ofertas dos dois lados do Atlântico, o acordo passou para a pauta da nova Comissão Européia (braço executivo da UE).

A União Européia é o primeiro sócio comercial do Mercosul e também o maior investidor na região, de acordo com dados da Comissão Européia. Em 2004, a UE importou do Mercosul 28,3 bilhões de euros e exportou 18,3 bilhões de euros.

O especialista da Comissão Européia da Diretoria Geral de Comércio, Olivier de Laroussilhe, atesta que o Tratado Constitucional confirma e reforça que a politica comercial é uma competência exclusiva da UE e a Comissão Européia é o único negociador em nome dos 25 estados membros, dando ainda mais poder executivo a este órgão em matéria de defesa comercial.

- Um novo texto tende a reafirmar a presença européia como ator internacional, reforçando sua posição também nos foros multilaterais de comércio. Tem havido indicações de disposição de intensificar o relacionamento com o Brasil, o que foi amplamente debatido no mês passado, em Bruxelas, no encontro da Comissão Mista Brasil-UE - diz Cozendey.

Laroussilhe concorda e acrescenta que ''a política comercial será então uma das mais integradas das políticas externas, fornecendo um peso considerável nas negociações comerciais internacionais''.

O Brasil pode ser especialmente afetado por um retrocesso no andamento da consolidação da UE, já que o país é o foco mais importante dos países do Cone Sul e da América Latina. O comércio com o Brasil totalizou 31 bilhões de euros em 2003 (mais de US$ 102 bilhões), a UE importou 18,6 bilhões de euros e exportou 12,4 bilhões.

Hoje, a União Européia representa o principal mercado de destino das exportações brasileiras. Mas a importância dos europeus vem caindo. No início da década de 90, a União Européia comprava cerca de 30% do total exportado pelo Mercosul. Ao longo da década, apesar da curva em leve ascensão nos valores exportados totais, a participação da União Européia demonstra declínio, caindo quase dez pontos percentuais (de 32,2% em 1991 para 22,9% em 2004), ao mesmo tempo em que os Estados Unidos aumentaram suas compras (representavam 17%, em 1991, e 22,4% em 2004).

Mas apesar de a UE ainda ser o maior parceiro comercial do Brasil, há pelo menos quatro anos os investimentos bilaterais não aumentam.

- Apesar de a Europa ser um parceiro muito importante comercialmente para o Brasil, 68% das exportações para o bloco são de produtos de base, enquanto 74% das exportações brasileiras para os EUA são de produtos manufaturados - aponta o embaixador brasileiro para as Comunidades Européias, José Alfredo Graça Lima.

Já a posição da União Européia como principal fornecedora de produtos para o Mercosul, manteve-se, na década de 90 e de 2001 a 2003, em torno dos 25%, tendo alcançado o pico em 1999 (29,2%). Em 2004, no entanto, verificou-se ligeira queda, para 22,8% de participação.