Título: Negócios triviais da política
Autor: Roberto Macedo
Fonte: Jornal do Brasil, 09/06/2005, Espaço Aberto, p. A2
O ¿mensalão¿ que teria sido pago a deputados federais, em particular do PP e do PL, na base de cem vezes o ¿mensalinho¿, o salário mínimo, se tornou o aspecto mais importante das recentes denúncias do deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. De fato, o ¿mensalão¿ choca pelo que tem de vergonhosamente insólito, pela sua propalada fonte de financiamento, pela estatura política e pela aventada omissão dos interlocutores a quem o deputado disse ter levado o assunto. Entretanto, quando se lê a íntegra da entrevista há outras menções que não causaram tanto espanto da classe política, mas que por isso mesmo são escandalosas pelo que revelam da trivialidade com que certos negócios políticos são tratados no Brasil. Vejamos alguns desses trechos.
Sobre seu relacionamento com Lídio Duarte, ex-presidente do IRB (a resseguradora estatal), indicado para o cargo pelo PTB, o deputado explicou: ¿... eu pedi a ele que ajudasse através das seguradoras e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB...¿ Ou seja, não se vê nenhum problema em pedir ao então presidente do IRB que usasse sua posição para angariar contribuições desse tipo, um pedido que, se atendido, o colocaria em posição vulnerável pelo que poderia ser solicitado em troca. O trecho citado também é revelador de um dos objetivos com que se briga tanto pelas nomeações para os diversos cargos da máquina estatal.
Sobre a reportagem da revista Época desta semana, na qual se aponta um sorveteiro como ¿laranja¿ do deputado em duas rádios, Jefferson declarou que um empresário ¿... pediu duas concessões de rádio, e eu ofereci¿. E disse: ¿Você vai colocar lá o Durval (o sorveteiro), ... amigo do peito.
Você vai ajudar dando a ele a participação acionária no contrato social da rádio. É uma maldade, é uma perversidade da revista tratar o Durval como laranja.¿ Ou seja, não se vê nenhum problema em intermediar a concessão de um serviço público, esse da rádio, para um ou outro protegido. Aliás, uma das histórias mais mal contadas e apuradas do País é a da concessão de rádios e emissoras de televisão no processo de barganha política.
E quem vai apurar coisas como essas, no contexto da tal imunidade parlamentar? Mais uma ou outra comissão parlamentar de inquérito (CPI) compostas por parlamentares para os quais essa utilização da máquina estatal para uso de interesses pessoais ou políticos é trivial? Mesmo quanto ao ¿mensalão¿, o que os jornais estão a noticiar é a perspectiva de o assunto ser investigado apenas pela Corregedoria da Câmara, sem os holofotes de uma CPI. Nessa Corregedoria, um dos cenários é o de que a denúncia seria arquivada por ausência de provas e proposta a cassação do deputado Roberto Jefferson por falta de decoro parlamentar, com todas as dúvidas que permanecerão sobre aquela ausência e essa falta.
Outro exemplo da trivialidade de práticas abjetas foi dado num outro contexto, o das denúncias de nepotismo na nomeação de assessores parlamentares. Nesse caso, haverá uma comissão especial (de deputados) que discutirá propostas para coibir práticas desse tipo na administração pública. Indicado para relator dessa comissão, o deputado Carlos Humberto Manatto (PDT-ES) assim se defendeu da acusação de que contratara como assessora a esposa de um ex-deputado agora prefeito de Linhares (ES), praticando assim o nepotismo indireto: ¿Contratei-a porque precisava de alguém estratégico numa das regiões do Estado. Para fazer contatos políticos e tentar garantir minha reeleição. Ela é capacitada para o serviço. Quanto a isto, estou tranqüilo¿ (conforme O Globo de 7/5).
Ora, um assessor desse tipo deveria ater-se apenas à sua função na Câmara, e não se engajar na campanha de reeleição do parlamentar a que serve, uma prática comum nos Legislativos federal, estaduais e municipais. Na realidade, isso configura financiamento público de campanha eleitoral, privilegiando apenas os que têm mandato. Se levanto esse assunto do mau uso dos assessores parlamentares, é porque várias vezes o apontei como um graves problemas da política brasileira. Agora, veio uma confissão dessa trivial irregularidade.
Sobre esses e outros negócios da política, sou levado a concordar parcialmente com a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), expulsa do PT, que identifica no governo Lula um verdadeiro balcão de negócios no Congresso. Segundo ela, ¿o governo entrega a máquina pública para ser parasitada por delinqüentes de luxo. Distribui cargos, poder, liberação de emendas ou o `mensalão¿¿ (Folha de S.Paulo de ontem).
Concordo parcialmente, porque de novidades do governo Lula (aliás, pouco afeto a elas), nessa afirmação, só essa do insólito ¿mensalão¿. O resto são práticas antigas e tidas como triviais. Vejo também outras impropriedades nesse balcão, como o excesso e mau uso de custosas assessorias parlamentares, que a senadora não aponta.
Assim, em face de outros problemas como os apontados, a principal questão que a denúncia do ¿mensalão¿ coloca é também trivial: como controlar o Legislativo? Não tenho a pretensão de dar resposta completa a uma questão tão difícil, mas sei que o caminho passa por uma reforma política que resgate a representatividade parlamentar da ineficácia e do lamaçal em que afundou há tempos, uma reforma que não virá se a sociedade não mostrar seu inconformismo e reagir contra esse estado de coisas. É por isso que prego o voto nulo ou em branco nas eleições legislativas, negando aos parlamentares o mandato de que tanto usam e abusam, numa reação a demonstrar esse inconformismo e a cobrar reformas.
Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: roberto@macedo.com