Título: O Senado e a CPI
Autor: MAuo Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 01/06/2005, País, p. A2

De acordo com a Constituição, o Senado representa os estados brasileiros. Cabe aos integrantes deste defender, em primeiro lugar, o regime federativo. Devem lutar para que se mantenham a autonomia das unidades federadas e o equilíbrio entre elas, no conjunto da República. Mas o senador Fernando Bezerra acaba de nos dizer que os integrantes dessa Casa do Congresso, também conhecida como Câmara Alta, devem exercer outra e prioritária missão, não prevista na Carta Política: a de nomear pessoas para o Poder Executivo. Se nós estivéssemos em pleno regime presidencialista, com os poderes realmente separados, a prerrogativa de nomear servidores para os cargos executivos da União deveria ser exclusiva do presidente da República - o único responsável, diante da nação, pela eficiência e honradez dos quadros administrativos. Como se sabe, não incumbe ao presidente da República nomear os servidores do Poder Legislativo, embora ele interfira sempre na eleição da mesa diretora. O senador Fernando Bezerra, ao enumerar os títulos que recomendam um apadrinhado para a diretoria dos Correios, não informou se ele é especialista em serviços postais ou em administração pública. Ressaltou, no entanto, que é pai de deputado estadual do PTB e primo de deputado federal, e conterrâneo, porque procede do Estado do Rio Grande do Norte. Como a nomeação vem sendo postergada, o eminente parlamentar se sentiu magoado e, mesmo sendo líder do Governo no Senado, resolveu assinar o pedido de CPI. É claro que se o pleito houvesse sido atendido, com a nomeação do indicado, o senador Bezerra se esfalfaria para que a investigação não se fizesse. Procuraria proteger uma diretoria da qual fosse integrante o seu protegido.

Assim têm sido as regras do jogo, principalmente a partir do governo militar. Interessava aos governantes, durante aqueles anos longos, esse simulacro de República democrática. Mantinham o poder real nas mãos, nomeando tecnocratas para gerir os negócios públicos, ao mesmo tempo em que reservavam sinecuras para amansar o Parlamento e ali assegurar, para efeito externo, maioria dócil e amestrada.

Não conseguimos, com a redemocratização, reduzir a força dos tecnocratas, que continuam com o poder de fato, mediante o controle do dinheiro, nem transformar o Congresso em instituição realmente legislativa. O Parlamento se tornou, com a profusão das medidas provisórias no governo Fernando Henrique, órgão que mal tem tempo para referendar as decisões do Poder Executivo. Cabe ao governo, nessa quimérica República que temos, a iniciativa de legislar e, aos parlamentares, o trabalho de aprovar o que lhes chega, em nome da "governabilidade" do país.

Em situação como essa, somos chamados a respeitar e reverenciar alguns senadores e deputados federais, que se angustiam a fim de exercer com independência o mandato. Discursos como os proferidos, recentemente, pela senadora Heloísa Helena e pelo senador Pedro Simon são testemunhos de que nem tudo está perdido. Gestos como o do senador Eduardo Suplicy e dos outros parlamentares petistas, que subscreveram o pedido da CPI, alimentam a esperança dos cidadãos. Ao exigir, dos governantes e dos legisladores, que se comportem com honra, servem ao partido e à nação nas razões perenes, e não a uma situação passageira. Os princípios não mudam.

À margem do problema isolado da CPI, a atitude do senador Fernando Bezerra mostra como muitos homens públicos contemporâneos não sabem bem o que é o Estado e para que existe. Supõem tratar-se de uma sociedade anônima, na qual os votos no Congresso são ações ao portador. Ocupam as Casas parlamentares e os gabinetes governamentais como se essa estrutura lhes pertencesse. Se o candidato é pai de deputado e primo de deputado, tendo em vista o pacote de votos dos parentes - nessa caolha visão das sociedades políticas -, dele é o direito de ocupar um cargo executivo.

Ser pai de deputado e primo de deputado é uma decisão das circunstâncias. Apenas isso.