Título: Trabalhismo autêntico
Autor: Léo de Almeida Neves
Fonte: Jornal do Brasil, 29/05/2005, Opinião, p. A12

O 25º aniversário de fundação do Partido Democrático Trabalhista, no último dia 24, enseja alguns comentários sobre a trajetória do trabalhismo, ideologia nacionalista e defensora dos anseios dos trabalhadores.

Por ocasião da redemocratização em 1945, decorridos oito anos da ditadura do Estado Novo, o gênio político do estadista Getúlio Vargas inspirou a criação em 26 de março de 1945 do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que reunia basicamente lideranças sindicais e getulistas de tendência esquerdista, e o Partido Social Democrático (PSD), congregando os ex-interventores dos Estados, Prefeitos nomeados, e segmentos empresariais da indústria, comércio e agricultura. Os adversários de Getúlio Vargas agruparam-se na União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Comunista Brasileiro tornou-se legal até ser cassado em 1948.

Nas primeiras eleições gerais realizadas em 02 de dezembro de 1945, Vargas que fora apeado da Presidência da República pelas Forças Armadas, em 29 de outubro daquele ano, elegeu-se Senador pelo PTB em São Paulo e pelo PSD no Rio Grande do Sul e Deputado Federal pelo PTB em sete Estados (a legislação eleitoral de então permitia). O coração de Getúlio, porém, pulsava com o PTB, pois chefiou a Revolução popular de 1930 com as bandeiras sociais e nacionalistas.

Levado ao suicídio pela crise política de agosto/1954, Vargas deixou Carta Testamento - estandarte da campanha presidencial de 1955 - que ajudou a eleger Juscelino Kubitschek. Presidente, e João Goulart, vice, pela coligação PSD/PTB.

Com a renúncia em 1961 do presidente Jânio Quadros - sucessor de Juscelino - ascendeu à Presidência da República o vice João Goulart. Sua posse fora vetada pelos ministros militares, mas se concretizou graças à vitoriosa ''Campanha da Legalidade'', desencadeada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola. Voltou o trabalhismo de Getúlio Vargas com o mesmo ideário, acrescido da firme determinação de implantar a reforma agrária.

Em conseqüência principalmente de fatores externos provocados pela ''Guerra Fria'', em que se digladiavam os Estados Unidos da América e a extinta União Soviética, ambos empenhados na manutenção ou conquista de ''zonas de influência'' política e militar, o presidente João Goulart foi afastado pelo movimento militar de 31 de março de 1964, dez anos após o sacrifício de Getúlio.

Em 1965, o marechal Castelo Branco, pressionado pela ''linha dura'' editou o Ato Institucional nº 2, extinguindo os partidos políticos, também o PTB, constituindo golpe irrecuperável contra a democracia, pois eles contavam com razoável estrutura organizacional e militâncias convictas. Daí, implantou-se o forçado bipartidarismo (Arena e MDB), igualmente extintos em 1979, advindo a anistia e o início do processo de redemocratização ''lenta, segura e gradual'', na definição do presidente Ernesto Geisel.

João Goulart morreu na Argentina em 06 de dezembro de 1976, e o líder trabalhista remanescente de maior relevo, Leonel Brizola, ainda exilado na Europa, começou o esforço de reorganização do trabalhismo com o ''Encontro de Lisboa'', em junho de 1979, que reuniu trabalhistas no exílio e provindos do Brasil. Ele retornou ao Brasil, por Foz do Iguaçu, em setembro de 1979, e os trabalhistas de todo o país dedicaram-se à refundação do Partido Trabalhista Brasileiro, conforme a recém legislação partidária.

Prenunciava-se um novo trabalhismo, poderoso, em condições de reconquistar o poder pelo voto (como aconteceu na Espanha, Portugal e Grécia com a vitória dos socialistas, sucedendo às longas ditaduras de Salazar, Franco e dos generais, e na Argentina, com a volta de Peron).

Embora as administrações militares, seguintes a Castelo Branco, tivessem alguma semelhança na área econômica com as diretrizes governamentais de Vargas e Goulart (fortalecimento das estatais, criação da Embrapa e da Embraer), seria profundamente ultrajante aos militares o ressurgimento do trabalhismo no governo central, uma vez que haviam derrubado Vargas em 1945, encurralado-o em 1954 e deposto Goulart em 1964.

Com essa ótica, entrou em ação o mago do regime, o estrategista General Golbery do Couto e Silva. Houve tolerância para as reivindicações operárias do ABC paulista, conduzidas por Luiz Inácio Lula da Silva, e ao robustecimento de um sindicalismo sem compromissos com o trabalhismo, e desvinculado de Brizola. Depois, serviram-se da ex-deputada Ivete Vargas, cujo marido trabalhava para Golbery, a fim de aprovar um simulacro de partido de apoio ao sistema vigente, já nos seus estertores. Manobrando com a frágil Justiça Eleitoral da ocasião, conseguiram registrar um artificial PTB, solidário ao governo inclusive nas votações do Congresso.

Só um líder da envergadura de Brizola teria força moral e coragem política para criar um novo Partido, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo qual se elegeria duas vezes governador do Rio de Janeiro, cujo eleitorado é sabidamente politizado e esclarecido. Por pouco, Brizola não alcançou a Presidência da República em 1989, na primeira eleição direta pós 1960. Ele conduziu o PDT até sua morte, em 21 de junho de 2004, com extrema coerência e fidelidade aos seus ideais.

Dentro da nossa realidade e da conjuntura internacional, apontando riscos da globalização econômica e financeira fragilizar a soberania nacional e subordinar os interesses do povo brasileiro a hegemonias forâneas, parece indubitável que o verdadeiro trabalhismo do PDT tem objetivos relevantes a cumprir e a missão patriótica de prosseguir na luta e honrar o formidável legado político de Getúlio, Jango e Brizola.

Léo de Almeida Neves foi diretor do Banco do Brasil.