Título: Futuro em risco
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 29/05/2005, Opinião, p. A10
Não há por que comemorar a redução do déficit da Previdência pelo segundo mês consecutivo. De acordo com os números divulgados esta semana pelo governo, registrou-se em abril o menor valor mensal em 13 meses - R$ 2,013 bilhões. O resultado é também 9,6% inferior ao verificado em abril do ano passado, já descontada a inflação. Um feito irrisório. Irrelevante. Tamanha esterilidade a ser constatada quando, por exemplo, comparam-se os números divulgados com o déficit acumulado no ano (16,7%) em relação ao quatro primeiros meses de 2004. De janeiro a abril deste ano, as despesas com o pagamento de benefícios superaram as receitas da Previdência em R$ 10,734 bilhões.
A eloqüência dos números evidencia como o sistema previdenciário brasileiro encontra-se imerso num vasto e movediço terreno de problemas, entre os quais são especialmente perturbadores a insolvência financeira, o pântano de fraudes e o anacronismo nos mecanismos de fiscalização e controle. Por essas razões, a Previdência Social constitui hoje uma das maiores tragédias a enfrentar caso o Brasil não queira pôr em risco o futuro de milhões de cidadãos e ameaçar a saúde das finanças públicas do país.
Não à toa se tem visto o sistema como uma bomba-relógio, diante da qual o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - como o anterior - detalha rotas para atrasar os ponteiros, mas não exibe musculatura capaz de desarmar o dispositivo de explosão. Tais mazelas, sabe-se, ganham feições ainda mais inquietantes no setor público. Enquanto isso, atalhos têm sido sucessivamente divulgados pelos governos, com a má colaboração do Congresso, como a salvação da lavoura. Não são.
Há dez anos, o governo Fernando Henrique encaminhava ao Congresso seu projeto de reforma previdenciária. Bateu na trave. Não ia ao âmago dos desequilíbrios. Depois de torpedeada por todos os lados, sobretudo pelo PT, tornou-se o primeiro dos remendos que vieram em seguida. Algumas tentativas revelaram-se simples mecanismos legais de amputação de benefícios - muitos deles, ressalte-se, justificáveis, como as aposentadorias precoces.
Em seguida, em 1999, veio o chamado fator previdenciário, que retardou a precocidade na concessão do benefício. Em 2003, no primeiro ano do mandato de Lula, houve nova reforma, desta vez na previdência dos regimes especiais, dos servidores públicos. Todas essas tentativas contrastam com o tamanho do déficit e com a crescente desconfiança dos participantes do sistema. Reformas provisórias e precárias requerem aprofundamento. E quanto mais se adiam mudanças substantivas, mais complexas são as exigências para consertar o sistema.
O drama é tão profundo no setor público quanto no INSS. De um lado estão os crescentes déficits decorrentes dos gastos promovidos pelo gigantismo estatal. Do outro, a constatação de que, com as atuais regras e o envelhecimento da população, a Previdência se tornará uma fábrica de sangria crônica. Cerca de 9% dos brasileiros têm hoje mais de 60 anos. Quase 13% da população é de aposentados e pensionistas do INSS. Segundo as projeções, em quatro décadas, vai beirar os 25%. Há 50 anos, a contribuição de 20 trabalhadores sustentava um aposentado. Hoje, a relação aproxima-se de 1,5 para 1.
Redimir tais números requer empenho político em doses exemplares para a formulação de projetos de consenso. Exige-se aí uma operação de alto nível - premissa, infelizmente, ausente na gramática do poder.