Título: O futuro nas mãos da França
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 29/05/2005, Internacional, p. A8

Dimensão de eventual rejeição à Carta influenciará referendo em outros países Nas últimas duas semanas, as pesquisas de opinião apontaram que a maioria dos eleitores franceses (52%, em média) vão rejeitar a Constituição Européia no referendo de hoje. Mas para analistas, o número de indecisos é tão grande, 20%, que não há como antecipar o resultado das urnas. De qualquer maneira, já se delineia uma crise política no país, pois os partidos estão muito divididos.

- O debate esteve muito quente nestes últimos dias e a maioria do ''não'' fica nas margens de erro das pesquisas. Qualquer coisa pode acontecer - diz ao JB Sebastian Kurpas, pesquisador do Centre for European Policy Studies (Ceps).

Apostando no eleitorado hesitante, os partidários da adoção da Carta da União Européia intensificaram na semana passada a campanha pelo ''sim''. O ex-primeiro-ministro e proeminente membro do Partido Socialista (PS), Lionel Jospin, deu uma entrevista na tevê na terça-feira, pedindo que a França apóie a idéia de uma Europa Unida. Na quinta, foi a vez do presidente Jacques Chirac, que apelou para os franceses pensarem ''no ambiente que querem para seus filhos''.

Foi a última cartada de um governo que se prepara para juntar os cacos amanhã, se o ''não'' sair vitorioso nas urnas. O cargo mais ameaçado é o do primeiro-ministro, Jean-Pierre Raffarin, que pode ser substituído pelo ministro do Interior, Dominique de Villepin, e Nicolas Sarkozy, o ambicioso líder da União por um Movimento Popular, o partido de centro-direita de Chirac.

- O presidente chegou a chamar o referendo de eleição. O embaraço será inevitável se perder. O próprio Chirac também terá que pagar um preço: vai perder credibilidade política e influência na Europa. A França pode passar a ser vista no bloco como causadora de problemas - explica Christoph Meyer, diretor do programa de Estudos Internacionais do Birkbeck College, em Londres.

A crise não vai atingir só quem está no poder, pois os líderes partidários apóiam a Constituição, mas outros proeminentes membros das agremiações são contra. Quem é a favor, argumenta que a França não pode ficar de fora do futuro da UE, pois ajudou a fundar o bloco e encarna a noção de ''ser europeu''. Os contrários - um setor heterogêneo que mistura a extrema-direita, socialistas e comunistas - reclamam que o Tratado Constitucional vai promover o neoliberalismo econômico e transferir muito poder a Bruxelas, minando a soberania das nações européias.

- O mercado financeiro também ficará instável, pois vai entender que a França se opõe ao mercado livre - alerta Meyer.

O fato é que a crise não se limitará a Paris, se a Constituição for rejeitada. Para ser adotada no bloco, ela tem que ser ratificada por todos os 25 Estados-membros. Um ''não'' francês paralisaria o processo.

- Mas não o mataria - acredita Kurpas. - Chirac pode adotar pontos da Constituição ao assinar acordos, através da chancelaria. Também acredito que um segundo referendo vá ser realizado. Raffarin nega, mas ele é político, quer pressionar os eleitores. Tudo depende da porcentagem de votos do ''não''.

O tamanho da rejeição francesa à Carta vai influenciar também a Holanda, que na quarta-feira vota a adoção da Constituição. As próximas consultas acontecem na Polônia, República Tcheca e nas eurocéticas Dinamarca e Grã-Bretanha. Se o texto falhar em alguns destes países, a única opção será partir para o ''Plano B''.

- A Constituição deverá ser redesenhada de modo que não irrite tradicionalistas nem liberais. Os europeus são sociais-democratas, fazem questão de uma economia forte e uma sociedade justa - afirma Bronislaw Misztal, pesquisador da Catholic University of America.