Título: Nova rejeição dispara o alerta
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 31/05/2005, Internacional, p. A7
Ainda grogue pela rejeição de 55% dos franceses à Constituição Européia, no referendo de domingo, a Europa se preparava ontem para o pior dos cenários, com a consulta de quarta-feira na Holanda, na qual 59% dos holandeses também pretendem votar pelo ''não'', segundo uma recente pesquisa.
Apesar de as autoridades européias afirmarem que a Carta ''não está morta'' - uma vez que o Parlamento de Haia pode ratificá-la sem apoio popular -, se a Holanda seguir a tendência francesa, significa uma rejeição de dois dos seis países fundadores da comunidade européia. Um ''não'' holandês confirmaria uma crise sem precedentes na União Européia.
- É necessário conservar o sangue frio - pediu ontem o ministro luxemburguês de Relações Exteriores, Jean Asselborn, pedindo aos países-membros da UE que não abandonem a Constituição.
Os chefes de Estado europeus devem se reunir nos dias 16 e 17 em uma cúpula, cujo objetivo inicial era discutir o já complicado projeto de ratificação. Agora, eles têm uma nova e mais pessimista conjuntura para analisar. Por isso, dias antes, em 9 de junho, o presidente em exercício da UE, o premier de Luxemburgo Jean-Claude Juncker, receberá o presidente francês, Jacques Chirac.
- A nova situação, após o voto da França e suas repercussões, deverá ser analisadas de maneira lúcida - disse o alto representante para a Política Externa da UE, Javier Solana.
- Temos que prestar atenção no mal-estar que a votação expressa e reforçar nossas esforços para explicar que esta Carta consagra os direitos e liberdades dos europeus, assim como o nosso modelo social - defendeu José Luis Zapatero, premier espanhol.
A Espanha é um dos nove países que já ratificaram a Constituição, o texto que busca dotar a UE de uma ferramenta mais forte para tomar decisões políticas comunitárias, depois da ampliação do bloco para 25 países, em maio de 2004.
Entre os motivos para não parar o processo de adoção da Carta, os líderes defendem que os nove países que a adotaram somam 200 milhões de europeus, cerca de 49% da população da UE, de acordo com a Comissão Européia. O problema é que, para entrar em vigor, a Constituição precisa da assinatura de todos os 25 Estados-membros do bloco.
A alternativa seria mudar parte do texto, dando mais atenção às questões sociais e enfatizando menos o caráter econômico de livre mercado. Estas foram algumas das principais críticas feitas pelos opositores da França à Constituição.
- O problema é que não há mais energia política para se reescrever a Constituição, não pelos próximos cinco ou dez anos - afirmou ao JB Sebastian Kurpas, pesquisador do Centre for European Policy Studies, em Bruxelas. - Além de ser complicado recomeçar do zero, seria a constatação de que a Europa falhou em atuar conjuntamente.
O voto de muitos dos franceses refletiu ainda o descontentamento com a política interna. Segundo analistas, foi uma forma de ''punir'' Chirac. Em comemoração, milhares de partidário do ''não'' se reuniram à noite na Praça da Bastilha, em Paris.
- Estou orgulhoso da França e dos franceses, que reafirmaram sem ambigüidade a primazia da soberania popular acima de todos os aparatos político-midiáticos - discursou Henri Emmanuelli, que liderou junto ao ex-premier Laurent Fabius os ''dissidentes'' socialistas a campanha contra a adoção da Carta. - Não foi um voto de medo, mas de esperança.
No mercado financeiro, entretanto, reinava a insegurança. O euro teve sua maior queda em sete meses em relação ao dólar e fechou em US$ 1,2584. Só este mês, já perdeu 3% do valor e também se desvalorizou em relação ao iene e à libra esterlina.
- O resultado francês sugere que as pessoas estão céticas com relação à UE e à sua futura ampliação. Foi um sinal bastante negativo para o euro - afirmou Armin Makelburg, estrategista de câmbio do HVB Group de Munique.