Título: Cerco aperta e Mesa denuncia golpe
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Fonte: Jornal do Brasil, 31/05/2005, Internacional, p. A9
Milhares de cocaleros marcham para ocupar La Paz e presidente discursa acusando a oposição de tramar sua derrubada
AFP Cessada a trégua do feriado, manifestantes ligados ao líder Evo Morales ocuparam a estrada que liga a cidade de El Alto à capital
LA PAZ - Milhares de manifestantes, incluindo cocaleros, mineiros, índios aymaras e estudantes voltaram a sitiar, ontem, a Praça Murillo, em La Paz, onde ficam as sedes dos poderes Executivo e Legislativo, para exigir a nacionalização dos hidrocarbonetos e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Depois de uma trégua no fim de semana, os protestos levaram pelo menos 10 mil pessoas da cidade de El Alto a se deslocarem para a capital boliviana. Além deles, 5 mil mineiros, camponeses e indígenas faziam parte da marcha.
Pela primeira vez nos últimos dias, a polícia não precisou recorrer a gás lacrimogêneo para conter os manifestantes liderados por Román Loayza, presidente da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses e por Evo Morales, do Movimento ao Socialismo. A frente de oposição ameaça bloquear todas as estradas nacionais se o Congresso não priorizar, a partir dos debates de hoje, a Constituinte.
Quebrando o mutismo a que se recolhera nos últimos dias, o presidente Carlos Mesa reagiu ao sítio imposto em la Paz. Durante uma cerimônia militar a poucas quadras dos protestos, Mesa acusou os manifestantes de promoverem a desestabilização de seu governo.
- Existe uma conspiração, por parte dos radicais que controlam as minorias, para que o Congresso não se reúna - denunciou.
O governo anunciou a abertura de um julgamento por ''sedição'' contra o líder da Central Operária Boliviana, Jaime Solares, e contra um conselheiro de El Alto, Roberto de la Cruz, por terem pedido a saída do presidente, o fechamento do Congresso e até um governante militar. O processo também envolve dois tenentes-coronéis, que, na semana passada, pediram a cabeça do presidente, o fechamento do Parlamento e a estatização do gás em um pronunciamento na tevê.
Um porta-voz do Ministério do Interior confirmou que a ação por sedição foi encaminhada à Procuradoria de La Paz. Os réus são os tenentes-coronéis Julio Herrera Pedraza e Julio César Galindo Mendizábal, além de Solares e de la Cruz. Os dois militares, que foram afastados, afirmaram que Mesa não teria capacidade para governar.
- Os grupos minoritários, que podem reunir mil, 2 mil, 20 mil, 30 mil, continuam sendo minoritários num país com 9 milhões de habitantes, os quais foram ao referendo sobre o gás, em julho de 2004, e pediram a recuperação de 50% do negócio e não sua nacionalização - apontou.
Mesa afirmou que exigir o ''fechamento do Parlamento é um golpe de Estado''.
- Os mesmos líderes dessas minorias que acusaram o governo anterior de assassinato estão hoje provocando nas ruas, com o uso de dinamite e ações violentas, confrontos com uma polícia que tem instrução de não usar a violência. Eles querem encontrar um morto que lhes dê uma bandeira que permita que me chamem de assassino. Não há democracia sem Parlamento e qualquer pessoa, instituição, grupo ou representante do poder que decida fechar o Congresso e que realmente promova o fechamento do Congresso está dando um golpe - alertou, reiterando que não pretende deixar o cargo.
Mesa não deixou passar a oportunidade de destacar a contribuição das Forças Armadas à ordem democrática. Na semana passada, o Exército rejeitou o pronunciamento de dois tenentes-coronéis em favor de um governo cívico-militar.
- É bom que terminemos com algum argumento que destaque o que nossas Forças Armadas fazem, e tenho certeza de que farão, em função de preservar a democracia e a ordem legalmente constituídas - acrescentou.
A sessão de hoje do Congresso ainda não teve a sua realização confirmada. Vários setores ameaçam radicalizar as manifestações, o que tem levado os parlamentares a pedir adiamento ''por falta de garantias''. O movimento é denunciado pelo presidente, que vê na pressão uma forma de anular qualquer cronograma que não tenha saído da Constituinte.
No meio do fogo cruzado, o presidente do Congresso, Hormando Vaca Díez, é acusado de contribuir para a crise. Segundo a oposição, Díez tenta impor uma agenda política que privilegia os interesses dos autonomistas de Santa Cruz em detrimento às questões que trariam unidade aos bolivianos.