Título: O recado é político
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/06/2005, Opinião, p. A10

O pálido resultado do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre de 2005 confirma o mau momento da economia brasileira. O crescimento de apenas 0,3%, inferior ao registrado no mesmo período do ano passado, deixa evidente que a atividade econômica esfriou. Há dois trimestres, ressalte-se, as taxas de investimento diminuem. O consumo das famílias agora caiu também, depois de revelar alta durante seis trimestres consecutivos. É preciso, no entanto, enviar um recado às habituais cassandras, sempre sequiosas por escarnecer os bons frutos obtidos pela firme condução da política econômica: embora seja correto afirmar que o Banco Central agiu nos últimos meses sob equivocada inspiração (ao dedicar um desnecessário preciosismo na aplicação do remédio dos juros altos para o combate à inflação), boa parte dos maus presságios que atualmente rondam a economia é decorrente das turbulências políticas de Brasília.

Os problemas que afligem os nossos indicadores econômicos, afinal, não se encontram nos juros definidos pelo Comitê de Política Monetária. As taxas praticadas no Brasil são uma excrescência, é verdade, mas resultam de uma série de anomalias, perpetuadas pela ineficiência da ação política do Palácio do Planalto e do Congresso.

Juros altos, insista-se, comprometem ao mesmo tempo o consumo e o investimento, levando a política econômica a uma armadilha. As taxas escorchantes persistem, porém, porque o Brasil foi até agora incapaz de avançar em reformas mais substantivas nas áreas tributária, fiscal e trabalhista, por exemplo. A equipe econômica - sobretudo as boas cabeças instaladas na Fazenda e no Planejamento - sabe que o inferno astral do governo tem natureza política.

A estratégia da economia, ao contrário, parece bem traçada. Prevê um freio nos aumentos dos juros, acertadamente transferindo a responsabilidade do controle inflacionário para um maior arrojo fiscal. A expansão dos gastos públicos, afinal, tem sido uma ferramenta perigosa para a economia brasileira - e dela se alimentam os impostos e os juros. A intenção é fechar a torneira das despesas até o fim do ano, para depois voltar a injetar recursos a fim de estimular a atividade econômica.

Infelizmente, estratégia é o que tem faltado aos ministros responsáveis pela operação política do governo. A deterioração da articulação do Planalto com o Congresso expande-se de maneira inquietante. Nasceu no episódio Waldomiro Diniz, cresceu na ausência de uma agenda legislativa mais incisiva e consolidou-se na eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara. O resultado é uma acefalia crônica da pauta do Executivo no Congresso, capaz de deixar inertes reformas essenciais para que o país possa exorcizar de vez alguns fantasmas que atormentam a economia.

A deterioração política cristaliza-se nos casos cada vez mais freqüentes de parlamentares que, insatisfeitos pelo descumprimento de acordos da área política, recorrem ao ministro Antonio Palocci para garantir interlocução com o governo. As articulações miúdas, a corrupção e o debate opaco no Congresso transformam-se em estorvo a mais.

Por essas razões, as divergências no campo político entre integrantes do governo são bem mais profundas hoje do que eventuais impasses sobre a condução da economia. Se não recompuser a unidade perdida neste terreno, as perdas para o Palácio do Planalto serão maiores do que com os números pouco expressivos de crescimento.