Título: Mark Felt, herói ou traidor?
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/06/2005, Internacional, p. A8

Revelação da identidade do informante 'Garganta Profunda' suscita debate sobre ética nos EUA

WASHINGTON - A revelação da identidade do 'Garganta Profunda', na verdade o vice-diretor do FBI W. Mark Felt, cuja ajuda aos repórteres do jornal The Washington Post acabou custando o cargo ao presidente Richard Nixon, em 1974, gerou um debate nacional. Passados mais de 30 anos do escândalo de Watergate, o país discutia ontem se Felt foi um herói ou um traidor. As críticas vieram de republicanos da época e até um dos presos pelo crime. Ex-assessor de Nixon, Charles Colson disse que o informante ''nada tinha de herói''.

- É inconcebível que um sujeito do calibre dele se valesse da sombra da noite para se encontrar com Woodward - definiu.

Opinião ácida têm outros dois nomes da Casa Branca na época. Pat Buchanan, velho aliado de Nixon, o chamou de ''traidor''. Já Gordon Liddy, que chegou a ser preso, afirmou que Felt ''violou as normas éticas de seu cargo''.

- Felt é um traidor de sua pátria e me dá asco - frisou Barker, classificando a operação de espionagem com uma cruzada para evitar que os EUA caíssem nas mãos de um presidente pró-comunista. No dia 15 de janeiro de 1973, Barker foi considerado culpado por ter invadido a sede do Partido Democrata. O cubano destacou que, junto com três compatriotas e dois americanos detidos, está reunindo documentos que comprometem a biografia do candidato democrata George McGovern.

- Vamos provar que este senhor recebia dinheiro de Fidel Castro - destacou Barker, assegurando que McGovern tinha uma fotografia com o líder cubano e havia enviado uma de suas filhas para Havana.

- Nos oferecemos para ajudar com o compromisso de que nos dessem auxílio posteriormente para derrubar Fidel - recordou Barker, que não se arrepende do que fez, ''já que salvou os EUA do comunismo''. Acrescenta que se Felt tivesse sido valente teria mostrado a cara e entregado suas denúncias publicamente.

- Por não ter feito, é um homem que carece de honra.

Entre a invasão ao Comitê Democrata, em junho de 1972, e a queda de Nixon, Felt se reuniu várias vezes com o repórter do Post, Bob Woodward. O jornalista e seu colega Carl Bersntein investigavam a participação da Casa Branca na operação. Com a ajuda do informante, que os orientou a ''rastrear o dinheiro'', descobriram que o governo montara uma operação para abafar o caso.

A revelação foi celebrada por colocar a imprensa americana como exemplo de como as fontes anônimas podem denunciar abusos do governo.

''Se Mark Felt tivesse mantido silêncio, Nixon teria tido êxito em um dos casos mais graves de abuso de poder cometidos por um presidente'', afirmou o Post em editorial ontem. ''A célebre vitória pelo império da lei também se baseou no patriotismo anônimo de uma fonte''.

O The New York Times também comentou a polêmica em torno das pressões do governo Bush contra as fontes anônimas. ''Vale a pena questionar se informante teria revelado seus segredos se não tivesse certeza de que os repórteres manteriam sua promessa'', questiona o jornal.

Após especular sobre os motivos que levaram Felt a servir de fonte e a decisão da família de revelar sua identidade, o Times solidarizou-se com aqueles que sentem uma perda com a revelação. ''Os fanáticos por Watergate vão chorar o fim da pequena indústria de 30 anos de especulação. É mais ou menos como descobrir que o Superman é Clark Kent'', diz o jornal, em tom irônico.