Título: ''Quem não deve não teme'', diz Vidigal sobre CPI
Autor: Rodrigo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 03/06/2005, País, p. A5

Em tempos de turbulência política e inferno astral do governo Lula, nem mesmo uma palestra do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, sobre ''reforma infraconstitucional do Poder Judiciário'' conseguiu resistir ao mal-estar político. O ministro usou ontem um tom incisivo para criticar o Palácio do Planalto e aliados no Congresso pela tentativa de, primeiro, abafar a instalação da CPI dos Correios e, depois, neutralizar as investigações. - CPI é uma conquista democrática. É um braço atuante dos parlamentos modernos. Nem na ditadura esse mecanismo foi extirpado do texto constitucional, embora não apurassem o que tinham de apurar - afirmou Vidigal, na aula magna de comemoração dos 103 anos da Universidade Candido Mendes. - Na transparência é que há democracia - completou, lembrando que ''quem não deve não teme''.

Vidigal lamentou que a discussão sobre a comissão criada para investigar denúncias de corrupção na estatal se tenha transformado na ''grande agenda nacional do momento''. Para ele, o governo está ''paralisado'' por esse debate.

O problema não está na CPI, mas na corrupção, afirma o ministro. Este é, segundo Vidigal, o principal problema a enfrentar. Por essa razão, cobra a intensificação do combate à ''criminalidade engravatada'', aquela do malandro que ''nunca se dá mal'' - referência explícita aos versos do compositor Chico Buarque de Holanda.

- A criminalidade a ser combatida não é apenas a das ruas, das praças, das favelas. Não podemos perder de vista a criminalidade do conluio, da cumplicidade, do silêncio. Esse outro malandro, com mandato político ou não, consegue ficar cada vez mais parceiro da arrecadação tributária porque tem sempre um coleguinha pelas adjacências dos cofres públicos - defendeu o ministro.

De Chico a passagens bíblicas, Edson Vidigal fez múltiplas citações para destacar o que considera o ''retrato moral do mundo de hoje''. Brasil incluído. Segundo ele, a descrição do apóstolo Paulo sobre os romanos de seu tempo exemplifica nossa decadência. O trecho é sugestivo: ''Estão cheios de toda sorte de injustiça, de perversidade, de cupidez, de maldade, cheios de inveja, de homicídios, de brigas, de dolo, de depravação, são difamadores, detratores, sem inteligência, sem lealdade, sem coração, sem compaixão''.

Exagero? De acordo com o discurso do presidente do STJ, não. Segundo ele, o Brasil exige que sejam expulsos, o quanto antes, ''os vendilhões do templo''.

- Precisamos resgatar valores, muitos dos quais nos foram arrebatados pelo populismo político, de alguns dos quais fomos nos desprendendo em momentos difíceis de fadiga moral imposta pela predominância de tantos maus exemplos.

Perguntado sobre quem seriam os vendilhões, Vidigal deixou claro que se referia às denúncias de corrupção nos Correios:

- Não quero citar para não correr o risco de omissões - brincou.

O ministro classificou a ruína moral da política - e a conseqüente crise de legitimidade da representação - como o principal entrave para o desenvolvimento do país num ambiente democrático. Ao JB, depois da palestra, o ministro ponderou que a desconfiança com a democracia está não na proliferação dos escândalos, mas na percepção popular de impunidade. Errariam, portanto, o governo e o Congresso. Equívoco repetido pelo Judiciário.

- Não é verdade que somos hoje um país mais corrupto. A revelação de mais episódios de corrupção é sinal de vitalidade democrática - disse o ministro. - O problema é quando a Justiça não acompanha a velocidade dos episódios.

Diferente da maioria dos juízes, Vidigal defende o controle externo do Judiciário, a ser feito pelo Conselho Nacional de Justiça. Disse temer, no entanto, que o novo órgão se transforme ''em um grande trambolho nas contas públicas nacionais''.

- O Brasil tem uma tendência de criar colegiados enormes. O conselho pode virar um cabide de emprego.