Título: Novo atentado reativa tensão
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/06/2005, Internacional, p. A8

BEIRUTE - A explosão de um carro-bomba em um bairro católico de Beirute matou ontem o proeminente colunista libanês Samir Kassir, crítico da relação que a Síria ainda mantém com o governo do Líbano. O assassinato - quatro dias antes do início das eleições parlamentares e quatro meses depois de um ataque similar que matou o ex-premier Rafik al Hariri - levou a oposição a pedir a renúncia do presidente Emile Lahoud, partidário de Damasco.

Da mesma maneira como reagiram ao assassinato de Hariri, os opositores acusaram a Síria e seus aliados libaneses nas forças de segurança de estarem por trás da explosão. E convocaram para hoje uma greve geral no país, em protesto.

''Queremos a renúncia do presidente, líder efetivo da segurança e da Inteligência'', justificaram, em comunicado.

Estados Unidos, França e as Nações Unidas também condenaram o atentado e pediram uma investigação rápida. A mulher de Kassir, a apresentadora da rede Al Arabiya, Gisele Khoury, pediu inquérito internacional, ''com comprometimento total da França'', porque seu marido tinha dupla cidadania.

Kassir foi vítima de uma bomba de 500g a 700g, colocada debaixo do banco do motorista de seu carro e detonada quando ele virou a chave na ignição. A parte inferior do corpo do jornalista do diário libanês An Nahar - e colaborador do Le Monde Diplomatique - foi rasgada. Um pedestre ficou ferido na explosão. Carros que estavam estacionados próximos a Kassir foram danificados. Janelas de várias casas do bairro de Ashrafieh foram estilhaçadas.

O jornal An Nahar é o mais vendido do Líbano e por anos vem pedindo o fim da participação síria na administração de Beirute. Em sua última coluna, Kassir criticou duramente o partido Baath, de Damasco, por rejeitar opiniões de oposição.

- Os sírios sempre tentaram calar qualquer voz livre no Líbano, jornalista ou político. O que aconteceu foi uma continuação desse regime - acusou o editor do diário, Gebran Tueini. - Ao presidente sírio Bashar al Assad não deveria ser permitido sequer ter conexão com a nossa Inteligência.

Os comentários ferozes de Kassir contra a Síria e o ''Estado policial'' libanês já o haviam colocado em confusão em 2001, quando o serviço de Inteligência, apoiado pelo sírios, confiscou seu passaporte e o ameaçou de prisão. O colunista não escondia que era alvo de várias ameaças de morte.

Em abril, sob pressão internacional e do povo libanês, a Síria acabou com 29 anos de presença militar no país vizinho. Desde 29 de maio, o Líbano está em eleições gerais. Por quatro domingos, eleitores vão escolher seus novos depurados e senadores.

- Obviamente alguém está tentando intimidar o povo enquanto está em processo eleitoral. Mas não há o que temer, a população quer democracia - reagiu a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, que classificou o crime como ''hediondo''.

O chefe de política externa da UE, Javier Solana, que também está em Washington, afirmou que o atentado é uma tragédia e que o assassino deve ser encontrado. O governo francês se declarou confiante de que os autores da explosão serão trazidos à Justiça e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, expressou condolências à família de Kassir.

A Síria recusou todas as acusações e criticou os políticos libaneses que responsabilizaram Damasco.

- Isso só confirma o preconceito anti-sírio destas pessoas - disse uma autoridade do ministério de Informação, que preferiu se manter anônima.

O líder da oposição libanesa drusa (seita religiosa secreta cuja crença é basicamente muçulmana), Walid Jumblatt, culpou o presidente e suas forças de segurança.

- Para quem quiser trespassá-la, a cabeça da serpente está em Baabda - afirmou Jumblatt à rede Al Arabiya. Baabda é o quartel-general de Lohoud, perto de Beirute.

Sob a lança, Lahoud condenou o assassinato de Kassir, clamando à unidade nacional. O chefe de Estado visitou a sede do sindicato dos jornalistas libaneses, para dar pessoalmente os pêsames.

- Cada vez que damos um passo adiante, vemos outras pessoas que querem bagunçar a segurança do Líbano - declarou o primeiro-ministro, Najib Mikati, que foi ao local do atentado. - A explosão tem como alvo dois elementos vitais: segurança e liberdade. Não vamos permitir que sejam agitados.

Kassir, também fundador de um pequeno grupo de oposição - Esquerda Democrática - é a figura mais importante do Líbano a ser assassinada, desde Hariri. O atentado que matou o ex-premier levou a nação a sua pior crise política desde a guerra civil, ocorrida entre 1975 e 1990. Milhares de pessoas foram às ruas, protestar contra a presença da Síria, a quem culpam pelo crime. Damasco nega participação no ataque, que a ONU ainda investiga. O organismo também criticou Beirute por não avançar no inquérito.