O Globo, n. 32794, 21/05/2023. Política, p. 7

Ruralistas suspeitos doaram a deputados da CPI

Jan Niklas


Articulada por deputados da oposição para apurar crimes cometidos no campo, a CPI do MST tem pelo menos sete integrantes que receberam doações de campanha de acusados de praticar delitos agrários e infrações ao meio ambiente. Levantamento do GLOBO identificou dez doadores suspeitos de envolvimento em casos de grilagem de terras, desmatamento ilegal e contrabando de madeira e ouro, entre outros.

Seis dos parlamentares beneficiados com contribuições desses personagens são ligados ao agronegócio: Evair de Melo (PP-ES), Domingos Sávio (PL-MG), Joaquim Passarinho (PL-PA), Marcos Pollon (PL-MS), Coronel Assis (União-MT) e Marussa Boldrin (MDB-GO). Apenas um, Charles Fernandes (PSD-BA), é da base do governo. A reportagem cruzou dados das prestações de contas dos políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com ações da Justiça e processos abertos pelo Ibama.

Instalada na quarta-feira na Câmara, a comissão que mira o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tende a ser dominada por adversários do governo. A relatoria ficou com o bolsonarista Ricardo Salles (PL-SP) e a presidência, com o tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS). Ambos são críticos notórios do movimento que vão investigar.

Indicado para ser um dos vice-presidentes da CPI, o deputado Evair de Melo recebeu na disputa do ano passado R$ 60,5 mil dos irmãos Nelson e Geraldo Vigolo, donos do grupo Bom Jesus Agropecuária. Nelson foi denunciado pelo Ministério Público da Bahia na Operação Faroeste, deflagrada para desarticular um esquema de venda de sentenças judiciais em processos relacionados a grilagem de fazendas no estado. Além disso, a Bom Jesus acumula multas aplicadas pelo Ibama por infrações ambientais que ultrapassam R$ 10 milhões.

Os irmãos Vigolo também doaram R$ 45,5 mil à campanha de Domingos Sávio. O deputado do PL, que costuma classificar o MST como “grupo criminoso”, recebeu ainda recursos de outro suspeito de ilegalidades. O fazendeiro Mauro Schaedler, alvo de três autuações do Ibama por exercer atividades potencialmente poluidoras sem licença ambiental, com multas que totalizam R$ 2,7 milhões, contribuiu com R$ 25 mil.

Em relação às acusações da Operação Faroeste, a defesa de Vigolo afirma que o empresário na verdade foi uma vítima do esquema e argumenta que foi a Bom Jesus que denunciou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sobre a multa por desmatamento, os advogados alegam que os fatos ocorreram antes da aquisição da propriedade por Vigolo. O Ibama ainda não concluiu o caso.

Outro crítico ferrenho das ações do MST, o deputado Coronel Assis será suplente da comissão. No ano passado, a campanha dele recebeu R$ 80 mil do minerador e madeireiro Edmar de Queiroz, investigado pela Polícia Federal por suposta participação em um esquema de comercialização ilegal de ouro. Outra empresa de Queiroz, a Madeplacas, chegou a ser interditada em 2005 por suspeita de contrabando de madeira ilegal da Amazônia.

Outro membro do PL na comissão é Joaquim Passarinho. A campanha dele em 2022 foi abastecida com R$ 50 mil de Roberto Paulinelli, dono do Frigorífico Rio Maria. O pecuarista possui autuações que chegam a R$ 387 mil nos últimos seis anos por acusações de prática de delitos ambientais.

Governista na lista

O levantamento encontrou um parlamentar da base na CPI que recebeu doações de um personagem acusado de infração ambiental. A campanha a deputado de Charles Fernandes foi agraciada com R$ 27,6 mil do ex-prefeito Palmas de Monte Alto Manoel Rubens, condenado por corte ilegal de uma árvore de espécie protegida e que acumula mais de R$ 100 mil em infrações aplicadas pelo Ibama.

O GLOBO procurou todos os citados, entre deputados e doadores. Coronel Assis afirmou que suas “doações foram efetuadas à luz da legislação eleitoral” e diz que “não há qualquer conflito com relação” à sua participação na CPI do MST. Os demais citados não responderam até a publicação desta matéria. A reportagem não conseguiu localizar Manoel Rubens.