O Globo, n. 32793, 20/05/2023. Opinião, p. 2

Supremo não deve mexer na demissão sem justa causa



Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) recomeçaram a julgar uma questão trabalhista que entrou na pauta do tribunal há 26 anos. Dependendo do resultado, a decisão poderá engessar ainda mais uma legislação já rígida e problemática, gerando enorme insegurança jurídica. Trata-se do dispositivo que regula demissões sem justa causa em vigor há décadas no Brasil.

Em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) exigindo a invalidação de uma decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na forma de um decreto, ele comunicara, em novembro de 1996, o fim da adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Tal convenção trata do término de uma relação de trabalho por iniciativa do empregador. Repete direitos já garantidos pela lei brasileira, como proteção à participação em atividades sindicais ou proibição de demissão por motivo de raça, cor, gênero, estado civil ou ausência causada por doença comprovada. Apesar disso, havia — e ainda há — boas razões para cancelar a adesão brasileira ao dispositivo da OIT. O trecho redundante da Convenção é inócuo. Mas um outro pode dar margem a interpretações esdrúxulas que gerariam enorme confusão.

Na parte relativa a normas gerais, a convenção afirma que “não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento, ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”. Está claro para o bom entendedor que o empregador precisa dar uma justificativa para qualquer demissão. Pode ser queda nas vendas, reestruturação ou qualquer outra questão relativa ao empregado ou aos negócios. Nas mentes férteis que habitam a Justiça do Trabalho no Brasil, porém, o mesmo texto poderia ser lido como uma proibição a demissões sem justa causa. Seria um entrave inaceitável, capaz de engessar ainda mais um mercado de trabalho que já dispõe de mecanismos de defesa do trabalhador demitido, como seguro-desemprego ou Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

No Supremo, os ministros se dividem sobre o tema. Para uma ala, o presidente da República não poderia ter revogado uma convenção internacional sem a aprovação do Congresso. Outra ala afirma que o decreto é constitucional e segue válido. Uma terceira corrente defende que o cancelamento ainda precisaria ser referendado pelo Parlamento. Não está claro qual tese sairá vencedora do julgamento iniciado no plenário virtual.

O certo é que a legislação trabalhista brasileira não precisa de mais confusão do que já tem. Leis que tornem menos flexível a realocação de trabalhadores são barreiras à produtividade. Empresas precisam ter a liberdade de demitir e contratar para crescer e gerar riqueza, portanto mais empregos. Isso não tira a razão de quem defende proteções aos trabalhadores. “Proteja os trabalhadores, não os empregos” é um mantra entre economistas que estudam o tema. Mas cancelar o decreto de Fernando Henrique não fará isso.