O Estado de S. Paulo, n. 46624, 12/06/2021. Política, p. A8

CPI pede estudo sobre potenciais crimes

Eliane Cantanhêde
Julia Affonso
Daniel Weterman


A CPI da Covid pediu a juristas e pesquisadores de universidades um estudo sobre os crimes que podem ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro por ações e omissões no combate à pandemia do novo coronavírus. A ideia é ter uma avaliação de especialistas sobre as penas passíveis de ser atribuídas a Bolsonaro e outras autoridades consideradas responsáveis pelo agravamento da crise sanitária.

O núcleo de juristas vai avaliar, por exemplo, em quais crimes podem ser enquadrados atos como desinformação e escolhas administrativas deliberadamente equivocadas. O requerimento sobre a criação desse grupo foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e aprovado anteontem na CPI.

Liderada pelo professor adjunto de Direito Penal Salo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a equipe se reuniu pela primeira vez ontem. Integram esse núcleo, ainda, Davi Tangerino, Sylvia Steiner, Helena Lobo da Costa, André Nascimento e Nilo Batista. A previsão é de que haja encontros semanais e, ao fim dos trabalhos, seja produzido um relatório para os senadores.

Em depoimento à CPI, ontem, a microbiologista Natalia Pasternak e o médico sanitarista Cláudio Maierovitch apontaram consequências graves do chamado tratamento precoce e de outras medidas defendidas pelo Palácio do Planalto que contrariam evidências científicas, para enfrentar a pandemia.

Investigados. A estratégia da CPI, agora, é responsabilizar integrantes do governo que tenham agido a favor desse tratamento ineficaz, passando todos eles para a condição de investigados, e não mais de testemunhas. Nessa lista estão, por exemplo, os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten. Além disso, integrantes da CPI pretendem levantar um cruzamento ilegal de ganhos abusivos de farmacêuticas com a venda de remédios do chamado “kit covid”, como hidroxicoloquina e invermectina.

“A partir de agora, nós vamos, com relação a algumas pessoas que por aqui já passaram, tirá-las da condição de testemunha e colocá-las definitivamente na condição de investigadas para, com isso, demonstrar a fase seguinte do aprofundamento da nossa investigação”, afirmou o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). “Nós temos um Jim Jones na Presidência da República. A diferença é que o americano induziu ao suicídio e o que está na Presidência do Brasil induz à continuidade dessa tragédia e desse morticínio”.

Pesquisadora da USP, Natalia Pasternak afirmou à CPI que o comportamento de Bolsonaro tem um “impacto gigantesco” no quadro da pandemia no Brasil. “Esse negacionismo da ciência, perpetuado pelo próprio governo, mata”, disse a microbiologista. “A recomendação do uso de máscara é essencial enquanto se continua observando número de casos e óbitos, o que é preocupante. Só podemos deixar de usar quando grande porção da população estiver vacinada e quando a curva nos disser que isso é seguro”, completou ela, ao condenar frase do presidente, dita no dia anterior, sobre liberação do uso de máscara para quem já foi vacinado ou contraiu a doença.

A opinião foi compartilhada por Claudio Maierovitch, ex-presidente da Anvisa. “O plano de imunização que tivemos foi pífio”, disse o médico. Os dois especialistas apresentaram estudo do epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas Pedro Hallal, mostrando que cerca de 375 mil mortes por covid poderiam ter sido evitadas se o País investisse em medidas adotadas em outros países, como isolamento social, vacinação e campanha de comunicação. / Colaboraram Amanda Pupo e Matheus de Souza