Título: Exclusão digital preocupa Rosinha
Autor: Vicente Vilardaga
Fonte: Jornal do Brasil, 06/06/2005, País, p. A4

A reunião preparatória da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que acontece nas próximas quarta e quinta-feira, no Hotel Glória, terá efeitos práticos de longo alcance e de grande importância para a América Latina e o Caribe nas próximas décadas. Dela, sairão uma declaração de princípios, a Declaração do Rio de Janeiro, e também um plano regional de ação de tecnologia da informação, inclusão digital e desenvolvimento econômico. São estes documentos que situarão, diplomaticamente, as duas regiões e suas demandas específicas nos debates internacionais a respeito da sociedade que está se erguendo em torno da rede virtual. A última reunião da Cúpula acontecerá em novembro, em Túnis, na Tunísia, e as posições latino-americanas e caribenhas serão consolidadas agora no Brasil. Trata-se de refinar o ponto de vista regional sobre os delicados temas de propriedade intelectual, desenvolvimento de softwares em código aberto, educação na nova sociedade e incorporação das populações excluídas no processo de conhecimento, temas fundamentais para o desenvolvimento das nações nas próximas décadas.

O Rio de Janeiro é o anfitrião do evento da Organização das Nações Unidas (ONU) e a governadora Rosinha Garotinho, que se empenhou em trazê-lo para o Estado, vê a conferência do Rio como uma oportunidade, justamente, de se incentivar ainda mais os debates sobre a inclusão digital e a sociedade da informação no País. É uma oportunidade também de se chamar a atenção para os obstáculos de educação e capacitação que a população do Brasil (e da América Latina) enfrenta para participar da rede virtual. É um problema mais grave que a falta de acesso ao hardware. A governadora se preocupa com o risco da situação mudar pouco para os já excluídos da sociedade industrial, na era da informação.

Para a governadora, deve-se buscar, na conferência, os máximos benefícios de uma posição conjunta para a região da América Latina e Caribe nos temas da sociedade da informação. Sob a responsabilidade do governo carioca, está a sequência de eventos paralelos à cúpula diplomática. Esses eventos destacarão temas relacionados à inclusão digital como a entrada dos povos indígenas na sociedade da informação. Veja a seguir a entrevista com a governadora do Rio.

O que representa essa cúpula para o Rio? Fico muito satisfeita em sermos o Estado anfitrião de mais um evento internacional, especialmente nessa área da tecnologia da informação. Esta conferência ajuda a consolidar o Estado como pólo importante de tecnologia e de conhecimento.

Como a cúpula veio para o Rio? ¿ Em 2003, recebi o Presidente da Cúpula Mundial da ONU num café da manhã no Palácio Laranjeiras. Nessa ocasião, ele mencionou que haveria um conferência regional em 2005 de toda América Latina. Eu então ofereci nosso Estado para ser sede desse evento, o que foi bem aceito por ele e posteriormente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério das Relações Exteriores. Fico feliz então de termos conseguido atrair para o Estado esse importante fórum e as delegações de mais de 40 países participantes, entre ministros da América Latina, Caribe, África, e representantes da ONU.

Quais foram os critérios utilizados para definir a programação, os participantes e os temas da agenda paralela? ¿ Instruí o secretário-chefe de gabinete para que se reunisse com os demais órgãos do governo, município, organizações não-governamentais e com órgãos do próprio governo federal para montar um evento paralelo onde fossem apresentados projetos como o Piraí Digital, Petrópolis/Tecnopolis, Infovia, Centros de Internet Comunitária, entre outros. Além disso, que fossem feitos seminários e debates sobre a pauta da ONU para a Sociedade da Informação. Minha orientação é para que o Estado firme convênios e acordos de cooperação com os países irmãos da América Latina e Caribe.

Quais os exemplos mais importantes de inclusão digital do Estado? ¿ Como já mencionei, acredito que Piraí é um exemplo, onde o Governo e a Prefeitura fizeram uma parceria muito bem-sucedida. Não é à toa que o projeto é premiado internacionalmente. Já determinei que o modelo de Piraí fosse multiplicado para outros municípios. É o caso de Rio das Flores, Rio das Ostras, entre outros. Maré Digital também é um exemplo, além do Programa de Ensino Superior à Distância, que já tem mais de 15 mil alunos, os laboratórios de informática da Rede Estadual, e os Centros de Internet Comunitária.

O que o governo pode fazer realmente para preparar o cidadão, a fim de que ele possa desfrutar da sociedade da informação? ¿ Acredito que só a escolarização da população e a elevação do seu nível educacional possibilitarão que o cidadão desse milênio não seja excluído nessa nova sociedade.

As políticas dos governos da América Latina e Caribe estão se orientando para a consolidação dessa nova sociedade? ¿ Tenho minhas preocupações. Assim como o Brasil, os demais países da América Latina e Caribe estão sufocados por dívidas que consomem quase todos os seus recursos para investir. Países assim não têm capacidade de investimento proporcionalmente às suas necessidades sociais, dentre elas, em educação, saúde e geração de empregos.

Como a senhora vê a questão do software livre e do software proprietário? ¿ O governo utiliza cada vez mais o software livre. O Projeto de Internet Comunitária, por exemplo, utiliza o software livre, que tem um custo menor de implantação e funcionamento. E é isso que países como o nosso precisa. Reduzir custos para fazer mais.

O Brasil está se preparando para essa Sociedade da Informação? ¿ Reconheço que há esforço sim, mas não acredito que possamos realmente superar as barreiras educacionais do país, e efetivamente realizar políticas sociais sem resolver a questão do baixo investimento do governo federal. O chamado superávit primário obrigatório e a enorme soma de recursos que pagamos todos os anos aos bancos por conta da dívida interna são graves obstáculos à construção de uma sociedade da informação democrática.

A conferência pode ajudar a América Latina e o Caribe a serem ouvidos na cúpula? ¿ Claro que sim. Minha maior expectativa é ver a união da região para que, enquanto países excluídos, possamos reverter esse quadro de grandes desigualdade de acesso à informação e ao conhecimento. Não há solução no mundo sem a cooperação e a solidariedade e essas só virão se soubermos nos unir na construção de uma sociedade da informação que não reproduza as desigualdades da atual sociedade.

Que posição o Brasil pode tomar sobre o controle da internet? ¿ Acho que a internet é um poderoso meio de comunicação. Como ferramenta de todos, deve ser democraticamente administrada. Nenhum país pode controlar a rede. Acredito que a ONU é o melhor fórum de coordenação da internet.