Título: Pela reforma política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/06/2005, Opinião, p. A10

O soturno ambiente denuncista, que adorna as expectativas pelo noticiário do dia e do fim de semana seguintes, apresenta feições semelhantes ao mal-estar instalado na Era Collor. Há cheiro de pólvora política no ar, cujas conseqüências são obviamente imprevisíveis. Tal analogia, contudo, encerra-se aí. Nem de perto se cogitam sugestões sobre o impedimento do presidente Lula. Tampouco as sucessivas revelações sobre más condutas de aliados e apadrinhados chegam a atingir diretamente as mais altas esferas do Palácio do Planalto.

O que nos distancia das incertezas daqueles tempos é também a saudável inquietação da sociedade diante dos episódios de corrupção alojados nas entranhas do Estado. A tolerância dos cidadãos revela hoje limites mais estreitos. Bom sinal. Prova de que os mecanismos de controle forjados por 20 anos de democracia se mostram eficazes. O próprio governo tem hoje maior pressa para livrar-se dos incômodos da suspeita coletiva. Basta lembrar a enfática ação da Polícia Federal no desbaratamento de saqueadores dos cofres públicos.

A atenta observação do monturo do noticiário das últimas semanas reafirma, porém, a premência da mãe de todas as reformas de que o país não pode prescindir: a reforma política. Somente mudanças substantivas nesta área - e não paliativos circunstanciais, estimulados pela denúncias do momento - serão capazes de promover um salto qualitativo do sistema político-partidário brasileiro. Desde o impeachment de Fernando Collor em 1992, o murmúrio das ruas sugere a repugnação do eleitor pela transformação da política em balcão de negócios.

Às escâncaras, sem qualquer traço de rubor, nossos representantes alugam o próprio mandato para colher dividendos pessoais. Às favas os representados. A reforma política é urgente porque apenas introduzirá a exigência da fidelidade partidária, estimulará a sobrevivência de legendas mais consistentes, reduzirá o espaço de ação dos bandidos engravatados , freará a fulanização reinante e punirá o toma-lá-dá-cá a que tanto Brasília se habituou. A sociedade cobrará a leniência com que se vem tratando o tema no Congresso e no Planalto.