Título: Governo `ético¿ e povo cético
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 06/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Foi preciso que, após mais de vinte anos bradando contra tudo e contra todos, exigindo CPIs para investigar até roubos de galinhas, caluniando, difamando e execrando, muitas vezes irresponsavelmente, a honra alheia, o Partido dos Trabalhadores chegasse finalmente ao poder, para que a formidável farsa fosse desmascarada, a impecável pose irremediavelmente arranhada e uma até então esconsa deformação de caráter revelada para quem quiser vê-las. A pantomima começou quando, já vitoriosos nas eleições, os ex-proprietários da ''ética'' revelaram aos mais argutos que, rigorosamente, não dispunham de nenhum plano para governar o Brasil, algo que, depois de dois anos e meio, já se torna evidente até para os inocentes que acreditam que fisionomias carregadas sejam sinônimos de seriedade, barbas e cavanhaques indicadores de honorabilidade e linguagem ''politicamente correta'' denotativa de fraternidade.

Após a inacreditável montagem da máquina ministerial com trinta e cinco integrantes batendo cabeças uns com os outros, veio aquela viagem da ex-ministra Benedita da Silva para orar na Argentina com o nosso dinheiro; surgiu aquele prefeito petista de uma cidadezinha de Minas que, após três dias de ''desaparecimento'' - fato que chegou a mobilizar até ministros, aviões e recursos oficiais -, foi encontrado em um hotel, na companhia pouco, digamos, ''ética'', de duas prostitutas; em seguida, o famoso ''caso Waldomiro'', escandaloso para o país, porém sem a menor importância para os homens do governo, dado o seu formidável empenho para que não fosse investigado e caísse no menoscabo, não importa se com os ''is'' pingados ou não...

Agora, esse caso de corrupção na ECT, com o mesmo denodado esforço dos ex-donos da ética para que não seja averiguado. Poderíamos citar inúmeros outros exemplos de falta de compostura pública e de atitudes imorais e anti-éticas por parte de adoradores da estrelinha vermelha, sem que, ao menos, honrassem a sua cor preferida e enrubescessem, nem que por um mínimo de vergonha.

O PT é um partido como os outros, com a diferença de que nenhum deles declarava-se monopolista da ética! Por isso, deve ser mais cobrado do que os demais. Quem bradava pela abertura de CPIs agora fecha-se em copas, em ouros, espadas e paus - e abre-se em recursos públicos - para abafá-las; quem fazia do FMI eterno bode expiatório, a ele recorreu em momento de necessidade; quem proclamava aos quatro - talvez, até, cinco ou seis - ventos que iria executar uma política econômica ''alternativa'', limitou-se a seguir - endurecendo-a inclusive-, a que foi posta em prática por Pedro Malan e Armínio Fraga; quem prometeu gerar ''dez milhões de empregos'' limitou-se a empregar, na administração direta, no legislativo e nos dinossauros estatais, milhares e milhares de ''companheiros'', incluindo, logicamente, nesse tsunami avassalador sobre os bolsos do contribuinte, os candidatos petistas abatidos pelo voto em 2002 e em 2004; quem jurou que iria reduzir a carga tributária, só fez aumentá-la; quem comprometeu-se a fazer reformas profundas na previdência, na estrutura de impostos e na legislação trabalhista dá agora de ombros, como se os 52 milhões de votos dados ao presidente-viajante nada representassem e como se promessas fossem apenas para atender ao velho dito de La Rochefoulcaud de que ''prometemos segundo nossas esperanças [eleitoreiras]e cumprimos segundo as nossas fraquezas''.

Enfim, uma grande ópera bufa, que transformou a apregoada presunção em malfadada decepção. Vozes influentes do partido alegam que as reformas não são realizadas porque o governo não dispõe de maioria estável no Congresso Nacional, argumento, facilmente refutável com uma pergunta: ''será que vocês não sabiam disso antes, quando estavam na oposição e barravam as mesmas reformas que hoje defendem''? Ou com outra: ''vocês desconhecem que os governos anteriores também não contavam com maioria estável''? Podemos extrair duas lições desse evidente fracasso: a primeira é que nada mudou no quartel de Abrantes e a outra é que tampouco vai se alterar enquanto não implantarmos no Brasil uma reforma política de fôlego, com a instituição de partidos programáticos e não partirmos em direção a um federalismo autêntico.