Título: Regras claras para as PPPs
Autor: Marcus Quintella
Fonte: Jornal do Brasil, 06/06/2005, Outras Opiniões, p. A11

Uma situação curiosa vive o governo federal no caso das Parcerias Público-Privadas - PPPs, que, depois de empregar grande esforço para que o Congresso Nacional aprovasse essa tão esperada lei, não consegue lançar um único edital para início do processo de recuperação da infra-estrutura do país. Agora que possui a ferramenta, o governo não sabe o que fazer com ela.

Como diz o notável ex-árbitro de futebol Arnaldo César Coelho, a regra deve ser clara, e, no caso das PPPs, nenhuma regra está clara ainda, desde a composição da carteira de projetos prioritários até a definição do Fundo Garantidor, peça fundamental para reduzir os riscos dos empreendimentos.

É consenso entre empresários e governo que as PPPs são fundamentais para a viabilização dos investimentos em infra-estrutura, principalmente nas áreas de transporte e saneamento. No entanto, para que as PPPs saiam do plano virtual, além de regras claras, tornam-se imprescindíveis que o país tenha uma economia estável, orçamento equilibrado e rigidez fiscal, dentro de um cenário de credibilidade moral e ética. A clarificação das regras das PPPs deve abranger também as importantes questões ambientais e a definição do papel de autonomia e independência das agências reguladoras.

Tudo isso decorre de um conhecido conceito das finanças empresarias: o binômio risco-retorno. Quanto menos regras claras, mais riscos os investidores estarão vislumbrando e mais caros ficarão os projetos, visto que mais retornos serão exigidos para que os capitais privados sejam colocados em jogo.

Por outro lado, as regras das PPPs deveriam contemplar uma modalidade de financiamento denominada Project Finance, como forma de tornar as PPPs atrativas e consistentes financeiramente. O Project Finance é uma forma de engenharia financeira sustentada contratualmente pela certeza do fluxo de caixa do projeto. Entendo que seriam necessários ajustes para que o Project Finance possa ser usado nas PPPs para atrair o setor privado, que só entra em empreendimentos rentáveis e de baixo risco.

O Project Finance é mais seguro do que os mecanismos tradicionais, tanto para o investidor como para o financiador, que poderia tomar como garantia, em caso de falência, o fluxo de caixa do empreendimento, como, por exemplo, as receitas dos pedágios de uma rodovia. Desta forma, as garantias ficariam lastreadas nos recebíveis futuros e não nos patrimônios das empresas e de seus acionistas. Como a matéria-prima dos bancos é o dinheiro, o Project Finance é mais interessante para os bancos, em comparação aos financiamentos tradicionais que se baseiam em garantias reais, como imóveis, equipamentos etc, que para serem transformados em dinheiro leva tempo e custa caro. Na verdade, o Project Finance e as concessões privadas devem ser consideradas subconjuntos das PPPs e poderiam ser mecanismos inseridos na Lei das PPPs.

Lamentavelmente, as PPPs correm grande risco de não decolarem dentro deste mandato do governo Lula, em virtude das indefinições econômicas, incertezas políticas e falta de regras claras. Com isso, a população brasileira continuará sofrendo e morrendo com as nossas precárias rodovias e com a falta de saneamento, entre outros problemas, sem contar que a economia ficará cada vez mais prejudicada com a ridícula infra-estrutura de transportes do país, que nos levará ao tão falado e anunciado ''apagão logístico''.

*Marcus Quintella é professor do IME e da FGV e escreve nesta coluna na primeira segunda-feira de cada mês (marcusquintella@uol.com.br)