Título: Drama
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 03/06/2005, Rio, p. A15

A poucos minutos de dar à luz, a auxiliar de serviços gerais Rosilene Louzada, 29 anos, chegou ao Hospital Estadual Pedro II com contrações fortes e nervosa pelo problema que teve em outro parto. Ela e o marido, o pedreiro desempregado Flávio Borges Souze, se desesperaram ao saber, pelo obstetra, que não havia anestesista para operá-la. Durante o dia, apenas dois anestesistas, dos 27 que deviam estar de plantão, compareceram ao hospital. Um deles estava atendendo na emergência e o outro, amputando a perna de um paciente, já que não havia cirurgiões. ¿ Se demorar para nascer, pode se repetir a história de nosso outro filho ¿ dizia Flávio, lembrando as complicações com o nascimento do segundo filho do casal, hoje com oito meses. Devido à demora no atendimento, na Maternidade Leila Diniz, em Curicica ¿ que atualmente encontra-se fechada por falta de condições de atendimento ¿ o bebê nasceu com problemas.

O parto, felizmente, terminou bem, depois que um anestesista deixou a emergência para atendê-la. Os porblemas no Pedro II, porém, continuaram ao longo de todo o dia. E, devido ao impasse entre médicos e o governo do estado, ainda não há luz no fim do túnel.

O colapso na rede estadual de saúde foi antecipado pelo JB na sexta-feira passada. No entanto, depois que funcionários iniciaram uma greve por tempo indeterminado desde ontem, a situação piorou. O protesto é contra a decisão da Secretaria Estadual de Saúde, que transformou profissionais prestadores de serviços em cooperativados, o que reduziu salário de todos. A secretaria não sinaliza com uma solução imediata ¿ segundo o secretário, Gilson Cantarino, não há possibilidade de concurso este ano. Ele anunciou a abertura de 2.581 vagas de expansão, para aproveitar o banco disponível do último concurso público, feito em 2000. Todos seriam contratados pelo sistema de cooperativas ¿ justamente o modelo que deixa indignados os profissionais.

¿ Nós não temos outra forma de pagamento destes profissionais que não seja através de cooperativas. Estamos oferecendo um sistema legal, que vai obrigar o desconto de INSS e vai causar reação. Nós não temos como obrigar estas pessoas a aderir ao sistema de cooperativas ¿ justificou Cantarino.

No Hospital Estadual Pedro II , 60 funcionários não foram trabalhar. Apenas quatro médicos atendiam em toda a unidade. Com a pressão baixa, a dona-de-casa Viviane Regina Cardoso esperava atendimento há uma hora na portaria do hospital. Por duas vezes, ela cedeu a vez na fila da emergência para crianças que chegavam em estado mais grave.

¿ Sou mãe, sei como é ficar com filho doente. Só tem um médico lá dentro. Deus me ajuda a agüentar ¿ disse.

A dona-de-casa Glória Maria Ribeiro, 65 anos, chegou ao Hospital Getúlio Vargas sentindo muitas dores nas costas, mas teve que voltar para casa sem atendimento. Ela foi levada por uma vizinha, sem conseguir andar depois que escorregou no tanque, enquanto lavava roupa.

¿ Vou tentar no Hospital de Bonsucesso, mas como vou chegar até lá sem conseguir andar? Aqui é do lado de casa ¿ lamentou Glória. No Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, os guardas, por trás das grades, orientavam pacientes a irem direto para o Hospital Geral de Bonsucesso. No Albert Schweitzer, em Realengo, um médico que não quis se identificar contou que, a partir das 19h, não há chefe algum no hospital.

No Hospital Rocha Faria, pela manhã, um pai revoltado agrediu um segurança, quebrando o dedo do funcionário, quando ficou sabendo que o filho não seria atendido. Ontem, três médicos atendiam na emergência. Na quarta-feira, nenhum médico foi trabalhar, o que foi considerado boicote pelo secretário.

¿ Eu não sou infantil para achar que oito profissionais por coincidência não tenham comparecido ao plantão. Mesmo que não tenham vínculo estatutário, os profissionais têm que ter vínculo ético ¿ afirmou.

De acordo com o presidente do conselho distrital de saúde da Zona Oeste, Adelson Alípio, até as 12h o conselho já tinha recebido 192 reclamações de recusas de atendimentos.

¿ O governo deveria fazer um contrato emergencial até que seja realizado um novo concurso ¿ indicou.

O Ministério Público estadual e o Ministério Público do Trabalho entraram com um pedido de liminar para anular todas as formas irregulares de contratação, além de solicitar um contrato emergencial de médicos, com a duração de seis meses, até que seja elaborado o novo concurso.

A Comissão de Saúde da Alerj enviará ainda hoje um relatório com todos os acontecimentos ocorridos desde domingo para o Ministério Público estadual. Também será feito um pedido de ação contra a Secretaria Estadual de Saúde, atribuindo à entidade toda responsabilidade sobre os casos de morte, alegando, assim, omissão de socorro.

O deputado estadual Paulo Pinheiro (PT), presidente da comissão, visitou os hospitais durante o dia. De acordo com ele, as 24 unidades da rede estadual estavam em greve.