Título: Uma agenda alternativa
Autor: Fernando Peregrino
Fonte: Jornal do Brasil, 03/06/2005, Opinião, p. A11

Tem sido comum ouvir especialistas ou líderes em geral afirmarem que o acesso do cidadão à Internet é capaz de, por si só, dotá-lo de conhecimento e capacidade de gerar oportunidades para transformar a realidade social local. Ledo engano. Não há mágica. A Internet não é uma panacéia. A internet é um meio e não um fim. Um meio que permite interconectar o cidadão com outros em bases e sistemas de informação do mundo inteiro em alta velocidade. E há mais um porém: ter acesso à informação não quer dizer ter obrigatoriamente acesso à educação, nem tampouco ao conhecimento.

A informação flui naturalmente de quem tem para quem não tem. Quem tem informação não necessariamente a interpreta. Educação é principalmente um processo de aprendizagem de métodos, de apreender a aprender. E conhecimento só tem quem sabe dominar, aplicar, adaptar ou desenvolver métodos e processos. E isso só se adquire universalizando a educação de qualidade nos níveis fundamental e médio, ampliando a escolarização no nível superior, e com suporte digno de políticas públicas emergenciais e efetivas de combate à fome, de assistência à infância, à mulher, ao idoso, ao jovem, à geração de emprego e à saúde.

Tomemos como exemplo o Projeto Piraí Digital. Uma iniciativa que alcançou amplo sucesso e está entre as sete cidades finalistas que concorrem ao prêmio mundial de Comunidade Inteligente. Mas cabe a pergunta: Piraí é só Digital, ou é também Piraí Social?

Piraí só é um modelo de inclusão digital porque soube realizar um modelo de inclusão social. Os que tentarem copiar apenas como modelo de acesso à Internet reproduzirão, sem querer, a perversidade do modelo econômico e social vigente. Por que essa discussão precisa vir à tona? Estamos às vésperas de abrigar no Estado do Rio um dos mais importantes encontros do mundo da tecnologia da informação: A Conferência Regional da Sociedade da Informação da América Latina e Caribe.

No entanto, tem-se perdido muito tempo em discussões sobre tecnicalidades, como implantar a Internet em lugares distantes, como fazer a universalização de acesso, reduzir custos, obter financiamento, etc. Sem, contudo, atentar para o restante das políticas sociais. Mas como viabilizá-las financeiramente se a América Latina tem uma dívida externa de quase 400 bilhões de dólares! Por isso, é importante converter dívida em investimento em educação, saúde e geração de empregos.

Além disso, a importação de modelos, ou sua transposição pura e simples, pode atrofiar o que de melhor uma sociedade da informação pode trazer para um país: a elevação da auto-estima e, com isso, a capacidade da própria população desenvolver conteúdos e soluções alternativas aos modelos que faliram. Soluções endógenas, como dizem Hugo Chávez e outros líderes nacionalistas da nossa América Latina.

A governadora do Estado, Rosinha Garotinho, em seu discurso de abertura da Conferência sobre Internet para América Latina, patrocinada pela ONU, afirmou que precisamos de um modelo de desenvolvimento que saiba não apenas produzir bens, mas saiba também distribuí-lo. Tem todo sentido. Agora teremos uma chance nas mãos de sermos ouvidos e de influenciarmos a agenda com um tema que nos interessa. Numa oportunidade rara, de 8 a 10 de junho, aqui no Rio de Janeiro, sob o patrocínio da ONU, será aberta a Conferência Regional preparatória para Tunis. A América Latina e Caribe - região com uma das maiores taxas de pobreza do mundo - deve aproveitar a oportunidade de subscrever uma Carta do Rio que enfatize tais princípios.

É a hora de falarmos sobre o que interessa aos países excluídos. Uma agenda que vá às origens das desigualdades que perduram nos países em desenvolvimento como são todos da na América Latina e do Caribe.