Título: Vídeo revela os horrores de Srebrenica
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/06/2005, Internacional, p. A10

Massacre de muçulmanos em 1995 chocou o mundo

BELGRADO - A exibição ontem nas tevês de um vídeo inédito, no qual paramilitares sérvios fuzilam prisioneiros bósnios, causou tanta repugnância que o primeiro-ministro da Sérvia, Vojislav Kostunica se viu obrigado a ordenar uma caçada aos responsáveis. As cenas foram filmadas no enclave muçulmano de Srebrenica, em 1995, palco do maior massacre já ocorrido na Europa depois da II Guerra.

- Foi um crime brutal e desgraçado contra civis - disse.

O presidente Boris Tadic fez um pronunciamento na tevê estatal - que como duas outras também exibiu a gravação - dizendo que as imagens eram uma prova dos ''atos monstruosos'' cometidos em nome do país durante a guerra nos Bálcãs - crimes pelos quais altos dirigentes estão sendo caçados pela Corte Internacional de Justiça de Haia. O vídeo, por sinal, foi mostrado no júri do ex-presidente Slobodan Milosevic, quarta-feira.

- Aqueles vistos cometendo esses assassinatos eram homens livres até ontem. Agora vão se ver com a Justiça - prometeu Tadic, em entrevista concedida junto com a promotora-chefe para crimes de guerra da ONU, a italiana Carla Del Ponte.

As imagens foram captadas perto de Srebrenica, na Bósnia. Ali, apesar da presença impotente de soldados da ONU, 8 mil muçulmanos, incluindo meninos, foram executados em sessões de fuzilamento coletivas que duraram vários dias. Depois, os corpos eram enterrados em grande fossas coletivas, muitas ainda não encontradas pelos investigadores. Na Sérvia, metade da população, segundo uma pesquisa divulgada mês passado, até hoje não acredita que a chacina tenha realmente ocorrido. Acredita-se que a exibição de ontem ajude a mudar essa perspectiva. Tadic prometeu visitar Srebrenica em julho, quando se completarão dez anos do massacre.

O enclave havia sido designado como ''área segura'' pela ONU em 1995 e abrigava os bósnios famintos que haviam sido expulsos pelas tropas sérvias em seu avanço para Sarajevo. Um destacamento holandês, com 30 homens mal armados, guardava a região. Os atacantes, comandados pelo general Radko Mladic, aproveitaram a lentidão burocrática da ONU e, ignorando os capacetes-azuis, que tiveram o arsenal perdido sem disparar um só tiro, separaram os homens e os executaram.

Mladic e o líder político Radovan Karadzic estão foragidos desde o fim da guerra e a Corte de Haia sabe que ambos são protegidos por aliados políticos e militares na Sérvia. A entrega da dupla é a principal condição para que a União Européia aceite iniciar conversações sobre a entrada do país no bloco e na Aliança do Atlântico Norte (Otan).

O vídeo começa com um pastor ortodoxo sérvio abençoando paramilitares em uma base. Os paramilitares mostrados no vídeo, rodado por um deles, eram a face mais cruel de uma guerra que reeditou os horrores dos campos de concentração nazistas na Europa. Chamados Scorpions, eram em geral criminosos comuns que o governo sérvio empregava na linha de frente, famosos por uma crueldade e eficiência na realização da limpeza étnica digna dos nazistas. Aos homens que aprisionavam, o destino reservado era a execução. Às mulheres, o estupro, toda sorte de sadismos e brutalidades.

Um desses mercenários retira seis presos da carroceria de um caminhão. Todos estavam com as mãos amarradas. Sob a mira de fuzis, são levados a uma clareira onde pelo menos três são executados diante da câmera. Os sérvios não se preocupavam em esconder o rosto enquanto insultam os prisioneiros. Uma das tevês informou que cenas nas quais dois jovens bósnios são selvagemente torturados antes de serem mortos não foram exibidas por serem ''excessivamente perturbadoras''.

Belgrado sempre negou envolvimento na guerra (1992-1995). Mas Del Ponte afirmou que os Scorpions eram um grupo a serviço da polícia e que foi transferido para a Bósnia por sua ''especialização''. Quando o conflito foi encerrado, as tropas regulares sérvias recuaram de volta às suas fronteiras originais. Os paramilitares saquearam e destruíram tudo que puderam em seu caminho de volta. E em casa, foram aclamados como heróis.