Título: Câmara decide apurar tortura no regime militar
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 21/10/2004, País, p. A-2

Comissão de Direitos Humanos investigará documentos engavetados

Quase 20 anos depois do fim do regime de exceção (1964-1985), a Câmara resolveu desenterrar os arquivos da tortura na ditadura militar. Em reunião da Comissão de Direitos Humanos ontem, o presidente Mário Heringer (PDT-MG) decidiu criar uma subcomissão a fim de investigar todos os documentos sobre desaparecidos ou mortos no período em poder de órgãos federais e da Câmara há sete anos. O material inclui registros referentes ao jornalista Wladimir Herzog, encontrado morto em 1975 nas dependências da DOI-Codi em São Paulo.

O primeiro passo será ouvir o ex-agente do serviço de inteligência do Exército, cabo José Alves Firmino, responsável pela entrega à Comissão, em 1997, de três caixas com documentos confidenciais do regime militar e fotos de Wladimir Herzog, nu, preso numa cela.

As fotos foram divulgadas na imprensa nos últimos dias, reacendendo as discussões sobre o caso. Anteontem, Firmino revelou haver uma grande quantidade de documentos produzidos pelo regime num arquivo subterrâneo do Pavilhão 31 de Março, no Setor Militar Urbano, sede do comando Geral do Exército, em Brasília. O material poderá ajudar a elucidar mortes de militantes políticos. Além disso, a Comissão quer que Firmino esclareça, em audiência pública, como conseguiu os documentos secretos do Comando Militar do Planalto. Aos 34 anos, o cabo reside em Goiânia e será chamado a depor nos próximos dias:

- Essas fotos (de Wladimir Herzog) são instigantes, revelam que houve humilhação, e isso a gente não pode esquecer. Mas existem mais documentos. Essa é uma chave para abrir uma caixa onde todos os fantasmas da ditadura podem emergir - afirmou o deputado Mário Heringer.

Para subsidiar as investigações, também foi autorizada ontem a requisição a órgãos federais de tudo que remeta às ações das Forças Armadas na ditadura, inclusive a perícia das três fotos retiradas do arquivo da Comissão publicadas pelo jornal Correio Braziliense no domingo, reconhecidas pela viúva de Wladimir Herzog, Clarice Herzog, como sendo de seu marido. Apesar do testemunho de Clarice, ainda há duvidas sobre a autenticidade das imagens:

- O que estranho é que duas delas aparentam ser recentes e a outra não - justificou o presidente da Comissão.

Embora corrigida anteontem pelo governo federal, a polêmica nota do Exército distribuída domingo pelo Centro de Comunicação Social do Exército, considerando ''revanchismo'' a publicação das fotos do jornalista, também consumiu boa parte das discussões na Comissão. Foi avaliada a possibilidade de se apreciar um requerimento pedindo a exoneração do responsável pelo Centro de Comunicação Social do Exército, general Antônio Gabriel Esper.

A proposta partiu da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que deve submeter o requerimento à votação na próxima reunião da Comissão, quarta-feira.

Ontem, o ministro da Defesa, José Viegas, garantiu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava satisfeito com o desfecho do episódio sobre notas do Exército em relação ao caso Herzog. Viegas disse desconhecer a informação de que que ainda existam arquivos sobre os porões da ditadura.