Título: ''O governo é centralizador e ineficiente''
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, País, p. A3

Pelas janelas da van que o levava ao apartamento do ex-governador Marcello Alencar, em São Conrado, na última quarta-feira, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, procurava observar a bela paisagem. O Rio não lhe sai da memória desde quando, ainda estudante de medicina, vinha passar as férias na praia. Às vezes a estada na cidade tinha objetivos mais sérios: fez cursos de especialização em anestesiologia na Faculdade de Medicina da Uerj. Em palestra para dirigentes de vendas, na semana passada, Alckmin falou do desejo de um dia retornar à capital fluminense ¿sem meia¿, para poder curtir de novo o Rio que sempre o fascinou. No almoço com os homens de marketing e vendas, saudado como ¿o melhor governador do país¿, Alckmin procurou fugir como pôde do debate sobre a sucessão presidencial, embora o evento, na prática, tivesse marcado o início de um processo de nacionalização do seu nome. Alegou que a discussão prematura do tema prejudica a governabilidade não só em São Paulo como em outros estados.

Para ele, a escolha do tucano que disputará a eleição com Lula é assunto para o início do ano que vem. No trajeto entre a sede social do Jockey Club, no Centro, até a casa de Marcello Alencar, expôs ao Jornal do Brasil as suas principais críticas ao modelo de gestão petista na área federal.

¿ Temos um governo centralizador e ineficiente. Quanto maior a concentração, menor a eficiência ¿ avalia.

O governador de São Paulo, que minutos antes, no Jockey Club, havia criticado o governo Lula, pela insistência em barrar a CPI dos Correios, diz que é um retrocesso fazer nomeações políticas (¿políticas entre aspas¿, reforça) em áreas da administração pública, como as empresas estatais. O governo moderno, pondera, é profissionalizado, com uma administração mais estável e menos interferências partidárias.

A antítese desse processo seria pautar a gestão pela linha da eficiência, que, em sua opinião, tem sido uma palavra-chave para definir os governos do PSDB. O mundo globalizado ¿ enfatiza¿ exige competitividade, boa qualidade dos gastos e redução de custos na área pública. E este seria, justamente, o principal gargalo do governo do PT:

¿ É um governo muito grande, com ministérios demais, e por isso se torna lento.

O programa eleitoral do PSDB veiculado para o Rio mostrou alguns dos potenciais presidenciáveis do partido e bateu em uma tecla principal: a eficiência. A campanha presidencial vai seguir esse tom? ¿ Esse esforço e esse trabalho na linha da eficiência têm sido uma característica dos governos do PSDB. Eficiência hoje é uma palavra fundamental num mundo globalizado, que exige muita competitividade, qualidade, redução de custos. É um conceito que hoje permeia todo o setor privado e nem sempre tem o mesmo nível de esforço na linha do governo. Mais do que nunca, qualidade no gasto público é essencial, além do estímulo ao investimento privado, o grande criador de emprego e renda. Há necessidade do poder público remover todos os gargalos possíveis para que esse desenvolvimento se faça forte e sustentado.

E quais são esses gargalos? ¿ A questão fiscal, com a necessidade da reforma tributária, a redução dos gastos com a máquina, além de priorizar a infra-estrutura. São sérias as questões de energia, logística e educação, área em que temos de fazer um grande esforço, especialmente no ensino técnico e tecnológico.

¿ Essas prioridades podem ser associadas a uma das críticas mais freqüentes feitas ao governo Lula. A má qualidade do gasto. ¿ Há, de fato, uma questão ligada à gestão. O governo é muito grande, e por isso se torna lento, perdendo eficiência, com muitos ministérios e centralizador. Acho que o caminho ideal é o inverso. Precisamos descentralizar. Em algumas áreas, os recursos não têm se expandido na velocidade necessária, como a Saúde e a Segurança Pública. Esta última é absolutamente prioritária. Veja a quantidade de jovens que morrem por causa da violência. Não há uma política de segurança efetiva, que combata, por exemplo, o tráfico e o contrabando de armas. Além disso, não há recursos. Não adianta o discurso. É preciso ação. Estamos no meio do ano e até hoje sequer foram assinados os convênios com os Estados relativos ao Fundo de Segurança e ao Fundo Penitenciário. E os recursos devem ser melhor definidos. Não sabemos o volume e nem quando serão liberados. A transferência deveria ser mais ágil.

E o que está atravancando a área da Saúde, que tem o maior orçamento da República? ¿ A Saúde teve uma melhora histórica em dois aspectos: os indicadores melhoraram quanto à queda da mortalidade infantil. Em São Paulo, os números são eloqüentes. Tínhamos 85 mortos por mil nascidos vivos na década de 70, e hoje o número está em 14 por mil. Além disso, tivemos um aumento da expectativa média de vida. Mas temos também uma crise de financiamento. A CPMF foi criada com o objetivo de gerar recursos para a Saúde. Mas dos R$ 29,5 bilhões que devem ser arrecadados este ano, uma parcela significativa não ficará com a Saúde. Irá para a Previdência e para a área social.

A expansão descontrolada das metrópoles tem gerado críticas ao Ministério das Cidades, que estaria com baixa capacidade de ação, apesar de ter bons projetos. Esta não deveria ser outra questão prioritária? ¿ Louvo esta iniciativa de tentar estabelecer uma política para a questão urbana. Vivemos no último meio século um intenso processo de urbanização. São necessárias políticas públicas nessa área. Só que o problema não é de criar ministério. É, de novo, de descentralização. Um país continental como o nosso precisa fortalecer a federação e não se se basear em um centralismo a partir de Brasília. Temos que estimular as unidades da federação e os municípios. O governo é centralizador e ineficiente. Quanto maior a centralização, menor a eficiência.

O governo atual, assim como o anterior, vive o mesmo dilema: Como conjugar a necessidade de fazer alianças com a eficiência administrativa? ¿ Alceu Amoroso Lima dizia que o Brasil tinha várias crises, mas no âmago de todas havia uma crise política. Tanto no governo Fernando Henrique, quanto no atual, a crise é política. Enquanto não fizermos uma reforma política, para se chegar a um número menor de partidos, com fidelidade partidária, programas, propostas, essa situação perdurará. Estamos vivendo as conseqüências geradas pelo fato de a reforma não ter sido priorizada. E há também efeitos mais amplos, econômicos e sociais.

Como o senhor age em São Paulo para prevenir esse tipo de situação? ¿ Lá temos a mesma dificuldade. Na capital, Serra perdeu a eleição para a Câmara. Nós também perdemos na Assembléia. O governo, no entanto, tem que se comportar com responsabilidade. Deve-se construir maioria baseada em propostas, em credibilidade e ações conjuntas. É um retrocesso fazer nomeações políticas, entre aspas, na administração pública, como, por exemplo, em empresas estatais. O governo moderno é profissionalizado, com uma administração mais estável, com carreira, concurso público e menos interferência de natureza política-partidária.

O senhor às vezes não se vê pressionado a lotear parte da administração? ¿ O que ocorre não é um loteamento e sim fazer com que aqueles que nos apóiam participem conosco da administração, com o mesmo nível de responsabilidade e exigência imposto a quem é do PSDB. São pessoas exclusivamente pautadas pela questão profissional. É necessário um absoluto rigor no aspecto ético. Não podemos esquecer, contudo, que a não realização da reforma política está na origem de muitos desses problemas.

Cientistas políticos têm dito que, a médio prazo, o melhor para o país seria uma colaboração entre partidos que dispõem de melhores quadros e até com alguma convergência ideológica, como PSDB e PT. Isso evitaria alianças com legendas de menor expressão, problema enfrentado tanto por tucanos como por petistas. Colaborar, nós temos colaborado, sob o ponto de vista administrativo, por exemplo. Todos os governos do PSDB têm procurado colaborar com o país. No Congresso, a reforma da Previdência não teria sido aprovada sem os votos da oposição, o que não acontecia no passado. Somos coerentes. Já éramos favoráveis, na época do presidente Fernando Henrique, e não mudamos. Na democracia, quem ganha eleição deve governar e fazer um bom governo. Quem perde, deve exercer o papel fiscalizador e propor alternativas. E é bom para o país ter partidos preparados para a alternância do poder. Isso consolida a nossa democracia.

Os marqueteiros de plantão já montam um cenário pré-eleitoral em que os petistas apresentarão os tucanos com o símbolo do passado. Será por aí? ¿ O candidato do PSDB só deverá ser escolhido no ano que vem. E seja ele quem for, vai colocar claramente que a eficiência hoje é uma questão central, e o foco deverá ser acelerar o desenvolvimento. Para isso, há um conjunto de medidas, para obter emprego, renda e trabalho, a melhor maneira de fazer inclusão social. Na campanha, com a TV e o rádio, aparece reforçado o fenômeno da empatia. O eleitor diz: nesse dá para confiar. Os discursos podem ficar até meio parecidos, mas a prática e a coerência é que conferem credibilidade. O presidente Fernando Henrique mudou o patamar da nossa vida política. A conquista da estabilidade da moeda e a responsabilidade fiscal, a rede de proteção social, os avanços da reforma agrária deixaram o país em outro nível. Agora é ir para a frente. Ainda há muitos avanços a serem feitos e o momento mundial é propício.