Título: Insegurança desafia eleições
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, Internacional, p. A8
Um ano após a chegada da missão de estabilização da ONU (Minustah) ao Haiti, os desafios permanecem grandes. A insegurança preocupa, o povo não se vê representado no governo interino do premier Gerard Latortue. É comum analistas afirmarem que o país só dará o passo inicial rumo à soberania quando realizar eleições gerais. O pleito municipal está marcado para 9 de outubro; o legislativo e presidencial será em dois turnos: 13 de novembro e 18 de dezembro. Mas antes, é preciso recadastrar cada um dos mais de 4,5 milhões de eleitores, para evitar as fraudes anteriores - algumas pessoas tinham até três títulos de eleitor. E é aí, no início, que os erros podem colocar tudo a perder.
Um relatório do Conselho Nacional de Observação das Eleições (CNO), com dados coletados até 27 de abril, revelou que desde o fim de março, quando o recadastramento foi aberto, apenas 1,2% dos eleitores haitianos haviam atualizado seus dados. O prazo vai até 31 de julho, portanto o documento recomenda que o governo ''revise com urgência máxima o plano operacional de inscrição eleitoral''.
- Um dos problemas é que, devido à insegurança, é difícil fazer o registro nas áreas pobres, especialmente nas favelas de Porto Príncipe - explica ao JB Ettore di Benedetto, autor do levantamento do International Crisis Group que classificou a situação no Haiti como ''explosiva''.
Vários dos bairros da capital são dominados por gangues de criminosos comuns ou por aliados do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, que usam de violência para exigir seu retorno do exílio na África do Sul.
- Estamos falando de 2 milhões de pessoas em favelas, que não podem ser excluídas do processo eleitoral - acrescenta.
O comandante militar da Minustah, general Heleno Ribeiro, lembra que existe uma força de segurança eleitoral que deveria estar atuando no processo de redemocratização do país.
- Eles ainda não estão preparados. Tropas do Brasil fazem a segurança nos postos de registro, onde até agora não houve incidentes - afirma.
Mas o CNO concorda que os locais de recadastramento não são difundidos como deveriam. Em um mês, só 14 estavam abertos, contra os 424 previstos. Estes poucos se localizam em Porto Príncipe e outras capitais provinciais, excluindo os moradores das pequenas cidades. O documento coloca em dúvida a eficiência do Conselho Eleitoral Provisório (CEP), porque a quatro meses das eleições municipais ainda não foram publicados o calendário das atividades eleitorais nem uma lista completa dos centros de inscrição de eleitores. O Conselho critica ainda a falta de pessoal e equipamento para o trabalho.
- A ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA) fizeram um acordo, no qual a incumbência de organizar o recadastramento eleitoral no Haiti seria do governo local e da OEA - conta Benedetto. - A Minustah faria suporte técnico.
E reforço na segurança, claro. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, quer aumentar para 7.500 homens o contingente que hoje é de 6.700. Além do general Heleno, o analista do Crisis Group concorda que as tropas auxiliares são necessárias.
- A população haitiana não confia na polícia, muito fraca e corrupta - ressalta.
Também é insuficiente. O país conta com 5.300 policiais para guardar 8 milhões de pessoas. Mais da metade da força não porta arma em serviço.
- A segurança é um fator crucial para todo o processo de eleição. As pessoas têm que se sentir seguras para expressar sua opinião - diz Benedetto.
Para Joanne Mariner, relatora do Haiti para a Humans Rights Watch, os diversos grupos políticos também devem ter segurança na campanha:
- Uns temem intimidação de aliados de Aristide. Os partidário do Lavalas (agremiação da família Aristide) reclamam não poder se manifestar em público. Todos têm razão.
- Se o Lavalas decidir não concorrer, será um prejuízo social, pois é o mais forte partido do Haiti. Ainda assim, acredito que a eleição será justa, pois terá centenas de observadores internacionais. Mas o processo deve ser julgado por inteiro, e ele começa com o recadastramento dos eleitores. Já é hora de agir - alerta o italiano.