Título: Mesa parte para o 'tudo ou nada'
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/06/2005, Internacional, p. A7

LA PAZ - Por meio de decreto supremo, o presidente Carlos Mesa deu a cartada final para tentar acabar com duas semanas de acirrada tensão social e política na Bolívia. O chefe de Estado convocou para 16 de outubro a eleição de uma Assembléia Constituinte e um plebiscito sobre a autonomia das províncias do Leste - as mais ricas em gás natural e petróleo do país. Mas a decisão, anunciada em mensagem à população na noite de quinta-feira, está sendo contestada pelas províncias e pela oposição.

Mesa justificou a medida pelo ''momento de extrema urgência e altíssimo risco'' que a Bolívia atravessa. Setores sociais e sindicais vêm organizando manifestações em La Paz e El Alto e bloquearam 45 pontos nas estradas nacionais - impedindo a saída por terra a Peru, Chile, Argentina e Paraguai. Além disso, por falta de consenso em três dias de plenária, o Congresso havia adiado para a terça a sessão em que discutiria os cruciais temas da autonomia provincial e Constituinte.

- Exorto o país a voltar à calma - disse o presidente, que há 19 meses substituiu Gonzalo Sánchez de Lozada, após uma revolta popular.

A tranqüilidade, entretanto, está longe. Membros da oposição e outros congressistas criticaram Mesa, alegando que o decreto é inconstitucional e que ''necessariamente tem que passar pelo Congresso para ter legitimidade''.

- Mandamos uma carta ao cardeal Julio Terrazas pedindo que ele intervenha - disse o líder do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales.

O governo, que também pediu à Igreja que fomente o diálogo, defende sua posição.

- O decreto supremo é constitucional - afirmou ontem o vice-ministro da Justiça, Carlos Alarcón, que estava no Palácio Quemado (sede do governo). - O presidente tem atribuição para estabelecer datas, de eleições a Constituintes.

Alarcón baseou a defesa no antecedente da convocatória para o referendo do gás, em julho de 2004.

- O Executivo convocou a votação por decreto e ela foi declarada legal pelo Tribunal Constitucional. O Poder Legislativo não ficou excluído do processo, interveio para complementar os detalhes necessários à aplicação da norma. O mesmo vai ocorrer agora. Tem que haver uma conjunção de esforços entre Executivo e Legislativo. Quem vai estabelecer as características e condições do processo é o Congresso - explicou.

Na noite de quinta, Alárcon provocou embaraço ao anunciar que o decreto presidencial fora aceito por todos os ministros, exceto pelo chefe de Desenvolvimento Econômico, Walter Kreidler, demissionário. Entretanto, o governo retificou a informação ontem, dizendo que não recebeu qualquer notificação por escrito da renúncia do ministro, como exige o protocolo. ''Portanto, continua exercendo suas funções'', assinalou um comunicado da presidência. Kreidler é um empresário da cidade de Santa Cruz, cujos líderes regionais exigiram ao Congresso dar prioridade à consulta sobre autonomia sobre a eleição de constituintes.

O mais recente capítulo da crise política na Bolívia se agravou quando Morales boicotou, na quinta, o reinício das sessões do Legislativo, por achar que não seria atendido seu plano de convocar a Assembléia Constituinte. A proposta, somada ao pedido de estatização dos hidrocarbonetos, é a bandeira dos manifestantes de La Paz e El Alto.

Em resposta à postura do MAS, que é a segunda força no Legislativo, o presidente do Congresso, o senador Hormando Vaca Díez, adiou as negociações entre os grupos parlamentares.

- O MAS pode ter outras intenções como, por exemplo, a de mostrar institucionalmente que o Congresso não funciona, para orientar pressão sobre a Casa - disse Vaca Díez.

Horas antes, o próprio Morales tinha acusado o presidente do Parlamento de planejar um ''golpe de Estado militar e fascista'' e de ter contatos com dois generais das Forças Armadas.

Fora do Congresso, manifestantes pressionavam pela discussão da Constituinte, das autonomias provinciais e a nacionalização dos gás natural. Ao deixar o prédio, um dos senadores foi cercado por um grupo de camponeses, que já havia confrontado policiais antidistúrbio durante horas. De carro, e em alta velocidade, os demais congressistas conseguiram sair do local, mas também sofreram o assédio dos manifestantes.