Título: Diversidades
Autor: Alexandre Werneck
Fonte: Jornal do Brasil, 04/06/2005, Caderno B, p. B1

Personagens gays da novela 'América' e do filme 'Bendito fruto', distantes do modelo espalhafatoso, chamam a atenção para a multiplicidade do universo homossexual Para muita gente, a imagem que vem à cabeça quando se pensa em gay é aquela da figura espalhafatosamente afeminada, que se traveste e assume trejeitos, digamos, gritantes. Uma olhada na Parada do Orgulho Gay, que tomou São Paulo de assalto no último domingo com cerca de 2 milhões de gays, lésbicas, simpatizantes etc., etc., etc. prova que essa imagem é verdadeira. Pelo menos em parte. Uma passada na festa de hoje no Cine Ideal, no Centro, que abre o mês de preparação para a Parada do Orgulho Gay do Rio, no dia 26, também deve mostrar que, de fato, muitos homossexuais se apresentam dessa forma. Mas uma olhada nos mesmos eventos lembra igualmente que não é só isso. E a olhada nem precisa ser só nas paradas. Atualmente, quase todo dia, ao se assistir à novela América, de Glória Perez, na TV Globo, pode-se ver o jovem Júnior, vivido pelo ator Bruno Gagliasso. É um rapaz que está descobrindo sua homossexualidade. Mas em vez dos tradicionais trejeitos espalhafatosos, ele é sutil. Impressão igual à que se tem ao se ir ao cinema e ver o indispensável Bendito fruto, de Sérgio Goldenberg, em que Du Moscovis e Evandro Machado formam um casal igualmente contido, ¿família¿. ¿ Há uma espécie de regra velada na dramaturgia televisiva que diz que somente os homossexuais construídos de forma caricata alcançam grande aceitação junto ao público. Não achei essa regra razoável e tentei dar um passo à frente na construção de homossexuais masculinos menos estereotipados, coisa que o cinema já conquistou há muito tempo ¿ diz Gagliasso, que afirma que uma das razões pelas quais foi escolhido para o papel foi a inspiração do ex-diretor da novela, Jayme Monjardim, no filme Morte em Veneza, de Luchino Visconti ( baseado no romance de Thomas Mann), em que o personagem homossexual Tadzio, interpretado pelo ator sueco Bjørn Andresen, apresenta uma beleza hipnotizante, próximo ao perfil de galã que marca Gagliasso.

Seu colega Moscovis, que no filme vive justamente um galã de novela que tem um namoro gay com o filho da doméstica vivida por Zezeh Barbosa, diz que era essencial para Bendito fruto que os dois personagens fossem doces e pouco engraçados.

¿ A composição veio toda da vontade de realismo do filme. Quando você mostra o personagem de forma discreta, o impacto do personagem com o público é outro. Funciona melhor, porque fica a impressão de que ele realmente existe ¿ diz. Para o escritor Jean Wyllys, conhecido nacionalmente por ser o primeiro homossexual assumido a participar do Big Brother Brasil (na quinta edição) e a vencê-lo, a própria dicotomização entre gay-espetáculo e gay discreto já é um problema.

¿ Essa oposição não dá conta do problema. O importante é mostrar que há muitos comportamentos, que há muitas diversidades sexuais. Há tantos perfis de homossexual quando há de heterossexual. A novela e o filme contribuem para ampliar esse repertório de imagens¿ diz Jean, cuja participação no BBB também lançou luz sobre o perfil discreto de gay, que é o dele.

Para o jornalista Marcelo Bonfá, apresentador do Um olhar, primeira mesa-redonda composta exclusivamente por gays na TV brasileira, exibido pelo canal 9 da Net em São Paulo, essa mudança de foco é um avanço importante, principalmente por dar conta da realidade numérica do universo gay:

¿ Finalmente a sociedade e a mídia estão descobrindo o que todo gay já sabia: nem todo gay é afetado, afeminado. Mais que isso, a maioria dos gays não é assim. O que vinha acontecendo é a prioridade para a imagem afetada por ela ser engraçada.

Os quatro entrevistados, entretanto, chamam a atenção para o fato de que não se trata de positivizar o gay discreto em detrimento do espetacular. Gagliasso, inclusive, que cobriu a Parada Gay para o Fantástico, da Globo, chama a atenção para a necessidade de incorporação dos vários perfis citados por Jean e Bonfá.

¿ Aquilo só me deu a certeza de que não existe um modo certo ou errado de ser gay. Vi tantas realidades, tantos modos de tentar falar diferente, que não entendo que um homossexual X possa ser considerado mais aceitável que um Y ¿ diz o ator.

Todos eles concordam, entretanto, que a cobertura da Parada da Diversidade Gay pela imprensa, sobretudo a televisiva, foi limitada a um dos perfis.

¿ Percebi grande abertura e boa vontade por parte da mídia em geral ao cobrir essa diversidade. Mas acho que ainda falta muito. Aquela idéia mais comum que se tem do gay recebeu muito mais tempo de cobertura do que outras ¿ diz Gagliasso.

¿ Os jornais impressos puderam dar mais espaço, mas as TVs, de maneira geral, mantiveram o clichê ¿ diz Bonfá.

¿ A diversidade estava lá. Se os jornais mostraram apenas alguns dos lados, é porque eles estão viciados nos estereótipos. Uma coisa é o real, a outra é a realidade. A experiência do real tive na parada, mas cada jornal apresentou sua realidade ¿ diz Jean.