Título: Prazo marcado para a falta d'água
Autor: Danyella Proença
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, Brasília, p. D1

Sem a construção da usina de Corumbá 4, Caesb só poderia garantir abastecimento do Distrito Federal por mais nove anos No Dia Mundial do Meio Ambiente, um alerta: o Distrito Federal sofrerá com a falta de água em um prazo de no máximo nove anos, se forem considerados apenas os sistemas locais de abastecimento. Com a construção da usina hidrelétrica de Corumbá 4, em Luziânia, a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) espera garantir água para a população por pelo menos cem anos. Mas especialistas em meio ambiente garantem que essa medida não será suficiente. O risco da Caesb voltar o foco de atenção para Corumbá 4, pensando na água apenas para o consumo humano, pode ter como conseqüência uma série de danos ambientais e colocar em risco a qualidade de vida no DF. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), os principais mananciais que abastecem o Distrito Federal já estão com mais da metade de sua capacidade hídrica comprometida. Problemas como a ocupação desordenada do solo, a expansão das fronteiras agrícolas, o crescimento populacional e uma série de lacunas na legislação ambiental levaram ao quadro de hoje, em que será preciso buscar água fora no entorno para suprir as necessidades da população. O drama da escassez de recursos hídricos no Distrito Federal não é novidade. Um estudo feito em 2001 pelo Tribunal de Contas da União revelou que o DF tem a terceira pior disponibilidade de água por habitante, ficando atrás apenas de Pernambuco e Paraíba, estados tradicionalmente castigados pela seca.

De acordo com o professor Paulo Salles, do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, a situação da água no DF é crítica por natureza. Salles explica que a localização em área de planalto contribui para que os rios não sejam caudalosos. Mas o professor é categórico ao afirmar que foi o processo de urbanização rápido e desordenado que determinou que a situação se tornasse crítica. Salles defende que não basta investir em Corumbá 4: é preciso combater os fatores que ameaçam os recursos hídricos no DF e investir na preservação dos sistemas locais.

Para se ter uma idéia da gravidade da questão, dados do Ipea mostram que a Bacia do Descoberto - que abastece 65% da população do DF - já está com 72% da sua disponibilidade hídrica comprometida. Os sistemas de Brazlândia e São Sebastião têm, respectivamente, 75% e 66% já utilizados. Os que estão menos comprometidos são os sistemas Torto/Santa Maria (49%), situado no Parque Nacional, e Sobradinho/Planaltina (39%). Os números são preocupantes. Uma análise global mostra que a Caesb capta 5.527 litros por segundo (l/s), sendo que a capacidade total do DF é de 8.908 l/s. Com base nessa pesquisa, a margem para que o sistema sofra um colapso é de no máximo nove anos.

O diretor-adjunto da Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos do Ipea, José Aroudo Mota, também aponta as ocupações irregulares em áreas próximas aos mananciais como principal problema. Na maioria desses locais, as fossas sépticas são instaladas muito próximas dos poços artesianos, cavados de forma irregular. Os lençóis freáticos já não suportam a quantidade de condomínios e invasões que exploram as águas subterrâneas. Tanto que muitos deles sofrem com o desabastecimento durante a seca. Além disso, o uso das fossas leva à infiltração de resíduos no solo e à contaminação da água. Mota considera delicada a situação dos condomínios irregulares, mas defende que a solução para evitar a falta de água é retirar aqueles que estao em áreas de recursos hídricos.

Para o professor Paulo Salles, da UnB, o problema da água no DF deve ser pensado em termos que vão além do abastecimento para consumo humano. Segundo ele, o primeiro passo nessa batalha deve ser conscientizar a população da necessidade de usar racionalmente o recurso e da sua importância para o meio ambiente. Ele acredita que, independentemente de Corumbá IV garantir água por cem anos ou não, é fundamental pensar no futuro e cuidar dos recursos hídricos do DF:

- Não podemos cair nessa armadilha de achar que, se tiver água para consumo, o problema estará resolvido. A questão não é só água para beber, mas também a vida da vegetação. A longo prazo, é mais interessante não poluir e conservar do que trazer um caminhão de água mineral e distribuir em cada quadra. Por isso a solução deve estar na educação. Quando vão começar a fazer campanhas intensivas em relação à água? Quando vier o ''secão''? Não queremos só água para beber. Queremos água correndo nos parques, nas reservas ecológicas. A população precisa valorizar e cobrar isso, antes que seja tarde - destaca.