Título: Papel da Receita e da Polícia Federal
Autor: Aristoteles Drummond
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, Brasíia, p. D2
Quando o senador Romeu Tuma foi nomeado secretário da Receita Federal, muita gente não entendeu o que um delegado de polícia poderia fazer no comando do órgão arrecadador do Imposto de Renda. Mas o então presidente Fernando Collor - por mais incrível que possa parecer - estava absolutamente correto. Caso o governo Lula queira sair na frente nesta onda de denúncias, em que o menu é o número anterior da revista Veja, bastaria colocar a Polícia Federal para examinar os citados, cruzar informações bancárias e telefônicas, passando um pente fino nas declarações dos últimos anos dos envolvidos. Além de verificar valores declarados em imóveis de uso pessoal ou se estes estão registrados em seus nomes. Nos organismos públicos envolvidos, pouco se poderá encontrar. Mas as evidências, via Imposto de Renda, evolução patrimonial e contatos telefônicos - com autorização judicial - bastariam para configurar ação de má-fé na função pública. A investigação, quando for o caso, poderia atingir sócios, cônjuges, familiares ou amigos dos envolvidos.
Outra medida elementar seria criar uma sistemática de cadastro de indicados para funções de confiança, que iria desde a indicação formal (e assinada, portanto) do político ou chefe superior, com justificativa, declaração de nada consta da Receita, da Polícia Federal e da Justiça. Documentos estes que, em sua maioria, são exigidos para a constituição de uma empresa ou a simples assinatura de uma escritura. Para tal, deveria ser aberto um cadastro nacional de inquéritos em andamento nos municípios, estados e entidades ligados à União. Estariam criados alguns pré-requisitos para evitar o crescimento da corrupção, desde que erradicá-la seria impossível, aqui ou em qualquer outra parte do mundo.
Na verdade, tem faltado vontade política, em todos os governos, no sentido de apurar e punir. Uma idéia lúcida, aliás, vem do relator da CPI do Banestado, o deputado José Mentor (PT-SP), sugerindo uma anistia fiscal ampla para o repatriamento de recursos depositados ou bens existentes no Exterior, em proposta viável e pragmática. Assim, o país começaria vida nova, com entrada de recursos e de divisas preciosas. E daqui para frente, um ''disque-denúncia'' para apurar origem do patrimônio e outras manifestações de riqueza aparente de funcionários públicos.
A informática permite a apuração rápida das denúncias, bastando uma consulta ao declarado e comparação com valores de mercado. Tem gente que compra imóvel, declara pouco a Receita Federal, mas paga sobre o valor real às prefeituras. É preciso que a escritura seja assinada com os valores das prefeituras como parâmetro. Todo mundo sabe dessas coisas, mas a legislação continua uma peneira para a fraude, a sonegação e a impunidade.
O governo deveria atender aos parlamentares, em primeiro lugar, liberando suas emendas ao orçamento, que são legítimas e de alto interesse público. Depois, acatando indicações da base aliada, desde que com exame da idoneidade e das condições para o exercício das funções. Como está não pode ficar. E tomar mais cuidado ainda quando o indicado for de filiação ao partido do presidente da República.
Não estamos diante de uma crise pelo simples fato do presidente Lula estar acima de qualquer suspeita. Mas a repetição destes fatos vai acabar por chegar ao Planalto. E os ministros têm sua parcela de culpa ao abrigarem uma militância nem sempre preparada.
Abrir as contas de alguns órgãos públicos, verificar as relações das ONGs com a reforma agrária e outras pastas, pode ser mais explosivo do que o se verifica no noticiário das revistas semanais. Governo decidido a apurar deve coordenar logo a Polícia Federal e a Receita e anunciar o exame dos 20 mais citados, para que a opinião pública se sinta atendida. Depois é fazer andar os inquéritos e mostrar que a rotina do velho SNI nem sempre era voltada para a espionagem e a futricaria. Sim, porque com ou sem CPI dos Correios, com comando deste ou daquele partido na relatoria, o fato é que o Brasil não aceita mais a impunidade, por um lado, e o denuncismo barato, por outro.