Título: ''A saúde pública está um caos''
Autor: Melissa Medeiros
Fonte: Jornal do Brasil, 05/06/2005, Brasília, p. 4

Entrevista: Jairo Bisol ¿A saúde pública do Distrito Federal está um caos¿, afirma o promotor de Saúde do Ministério Público (MP) do DF, Jairo Bisol. Segundo ele, os brasilienses não conseguem atendimento na rede pública e, cada vez mais, apelam para o MP na esperança de conseguir consultas, exames e vagas para internações. O promotor considera que essa busca ao MP distorce o papel da Prosus, que é o de fiscalizar e contribuir para a saúde de modo geral. Jairo Bisol culpa a gestão do ex-secretário Arnaldo Bernardino de ter implantado o ¿caos¿ nas saúde do DF e não poupa críticas ao governo. Segundo ele, o governo não demonstra a mínima disposição para resolver os problemas que afetam o setor no Distrito Federal A volta do secretário de Saúde, José Geraldo Maciel, é considerada por Bisol uma luz para a saúde do DF. ¿Maciel está aberto a diálogos. Em um mês no cargo, fez levantamento de todos os problemas, assumiu que são graves e fez um plano de ações.

¿ Cresce o número de pessoas que procuram o Ministério Público do DF para conseguir atendimento médico, exames e remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ao que o senhor atribui esse aumento na demanda? ¿ Isso está acontecendo em todas as unidades da Federação em que a gestão da saúde pública é ineficiente. As pessoas não têm outra saída. Elas vão aos hospitais, mas não conseguem atendimento. Umas até morrem nas portas dos hospitais. Por isso, começam a procurar o Ministério Público. No local que tem uma gestão competente não há essa procura exacerbada. Isso é um sintoma muito claro dos caos que foi implantado na saúde pública do DF nos últimos seis anos. Está parecendo que o Ministério Público é uma instância avançada do atendimento médico. Nossa intermediação é um prova cabal do mau gerenciamento do setor.

¿ Quantas pessoas têm procurado a Prosus para tentar resolver seus problemas de saúde? ¿ Não sei dizer um número exato porque a equipe da Prosus é muito pequena e não temos tempo de organizar uma estatística. Trabalhamos o tempo todo sob extrema pressão porque somos uma estrutura muito pequena para um problema que é muito grande. Não tivemos ainda como nos dar ao luxo de fazermos esse controle estatístico. Temos que, cotidianamente, enfrentar problemas da maior gravidade. Mas estimamos que algo em torno de 250 pacientes procuram mensalmente o Ministério Público. Talvez esse número seja bem maior.

¿ Quais os maiores problemas na saúde pública que motivam as pessoas recorrerem ao MP? ¿ Os problemas variam. Um dos mais graves, hoje no Distrito Federal, é a falta de Unidade de Terapia Intensiva. Há também muita carência de atendimento na área cardiológica. As filas para consultas e exames são impraticáveis. Também há muita complicação quando a situação exige intervenção cirúrgica. Enfim, não é um problema pontual. Há uma má administração geral na saúde pública do DF.

¿ Quando as pessoas procuram o MP, a Prosus envia um ofício à Secretaria de Saúde solicitando a solução do problema. Esses pedidos normalmente são atendidos? ¿ A Secretaria não tem de obedecer o Ministério Público. Tem de gerir o sistema de saúde. Não deveria sequer existir o ofício do Ministério Público. Quando existe, já está instalada uma absoluta desorganização pública no âmbito da saúde. A participação do Ministério Público na intermediação das ações do sistema de saúde pública é um sintoma de uma distorção brutal e desumana.

¿ Quais os casos mais emergentes que procuram a Prosus? ¿ Já vieram várias vezes doentes em ambulância precisando de um leito em UTI. Isso aqui não é hospital. O pior é que muitas vezes o paciente é encaminhado por um diretor irresponsável de hospital.

¿ Será que muitas vezes os diretores dos hospitais não mandam para o Ministério Público porque não conseguem resolver o problema dos pacientes e vêem a Prosus como última saída? ¿ É um absurdo que um diretor não consiga assumir sua condição de médico, sua condição de ser humano. Quando essas coisas acontecem está instaurado um caos na rede pública de saúde. É o que ocorre no Distrito Federal. A saúde pública está um caos.

¿ Muitas pessoas que procuram a Prosus dizem que foram encaminhadas pelos médicos dos hospitais? ¿ Sim. Os diretores de hospitais, no final da tarde, mandam os casos de UTI para o Ministério Público resolver. Tamanho é o caos herdado pelo atual secretário de Saúde, José Geraldo Maciel, das gestões anteriores. O Ministério Público, no entanto, não é uma instância de intermediação para garantir atendimento médico às pessoas doentes.

¿ Qual o papel da Prosus? ¿ A Prosus faz uma defesa da saúde do cidadão como um todo. A nossa preocupação é podermos normalizar o sistema de saúde. Participar de um diálogo que conduza a administração pública a um trabalho de melhor qualidade. Ou seja, exigir que o governo assuma sua responsabilidade com saúde. Coisa que o GDF não tem feito nos últimos seis anos. Por exemplo, fiscalizar a aplicação dos recursos da saúde, verificar se a população está, de um modo geral, recebendo atendimento médico adequado e fiscalizar as residências médicas.

¿ Por que a Prosus acaba atendendo esses casos pontuais? ¿ Temos plena consciência de que esse atendimento é uma distorção do nosso trabalho. Mas, da maneira como a coisa está, um barco afundando, exercemos essa função porque não podemos deixar de nos compadecer do cidadão que bate à nossa porta em uma situação de gravidade, de risco da sua saúde. É uma atividade que desenvolvemos em um momento de absoluto caos.

¿ A quem o senhor atribuiria todos esses problemas no sistema de saúde pública do DF? ¿ O governo é o responsável por esta situação. Parece que ele insiste em não resolver o problema da saúde. Cada passo dado em relação à saúde segue na direção da irresponsabilidade.

¿ O senhor acredita que atual secretário de Saúde possa haver um diálogo em busca da melhor da saúde no DF? ¿ Estamos tendo um diálogo no sentido de equacionar as questões fundamentais da saúde. Com ele, estamos buscando uma solução. Começamos a repensar uma série de contratos deixados pela gestão do ex-secretário Arnaldo Bernardino que são absolutamente nocivos ao interesse público. Por exemplo, o governo gasta R$ 5 milhões por mês com saúde preventiva e, na prática, o programa não funciona. Há uma série de problemas gravíssimos na saúde que precisam ser fiscalizados pelo Ministério Público que a estrutura da Secretaria não teria como fazer. Nosso diálogo com o secretário José Geraldo é para complementarmos nossas ações de modo a garantirmos os direitos fundamentais das pessoas.

¿ Quais problemas, hoje, são prioridade, na agenda de discussão com o atua secretário de Saúde do DF? ¿ Entre as prioridades, está a carência enorme de leitos no Sistema Único de Saúde. Há seis anos o governo não aumenta o número de leitos. Preferiu terceirizar para um hospital da família do ex-secretário, o Santa Juliana. E há suspeitas de que ele mesmo seja um dos donos e os que estão lá sejam apenas laranjas. Também estamos discutindo todos os problemas que o secretário José Geraldo Maciel levou ao governador em um relatório sobre a saúde do DF.

¿ Tem alguma conta da saúde pública que o Ministério Público investigou e encontrou problemas? ¿ As prestações de contas da Fundação Zerbini foram todas glosadas pelo Ministério Público. A primeira prestação foi reprovada quase em 80%. Isso quer dizer que pode estar ocorrendo desvios de dinheiro da saúde do DF.

¿ O ex-secretário Arnaldo Bernardino sempre dizia que um grande problema da saúde do DF é a enorme quantidade de pacientes que vêm de outros estados. O senhor concorda com esse diagnóstico? ¿ Eu desafio ele [Bernardino] a provar isso. Tenho informações de que esse atendimento não passa de 15 a 20%. Isso é uma falácia.