Título: O inferno astral do PT
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Fonte: Jornal do Brasil, 07/06/2005, País, p. A5

A sucessão de denúncias que desembocou no inferno astral vivido pelo governo Lula é um cenário pressentido há pelo menos 8 anos por setores do PT descontentes com as opções do Planalto. Antes mesmo da eleição de 1998, esses grupos identificaram o que chamavam de ''eleitoralismo'' do núcleo dirigente, que pode ser traduzido por uma tendência de priorizar as estratégias para chegar ao poder e mantê-lo. Isso, mesmo à custa de concessões ideológicas ou tendo que se aliar a legendas sem nitidez programática. Os grupos que se opunham a essa tática alegavam que o projeto de poder só deveria ser executado quando houvesse uma correlação de forças na sociedade suficiente para que o partido assumisse a Presidência e pudesse pôr em prática pelo menos uma boa parte do seu ideário, mantendo a sua identidade.

Cansado das sucessivas derrotas de Lula, o núcleo dirigente não queria esperar tanto. E tratou de seguir a única fórmula que permitiria chegar ao Planalto: moderou o discurso e começou a fazer alianças com forças consideradas fisiológicas. Os números ajudavam a argumentação: a esquerda, sozinha, não conseguia ultrapassar a barreira dos 30% nas eleições presidenciais. Havia um complicador: a Constituição de 88 possibilitou a criação de uma babel de partidos, muitos de aluguel, aumentando o número daqueles que estavam dispostos a trocar votos e apoio por toda sorte de facilidades.

O PT repetia, assim, a tática tucana nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que foi obrigado a fazer o mesmo tipo de alianças, para aprovar projetos considerados importantes. Pela mesma razão, os dois governos do PSDB também tiveram de enfrentar escândalos e ameaças de CPI, além de contar com ministros cada vez mais inexpressivos, à medida que a cobrança dos ''aliados'' se intensificava.

O financiamento das campanhas, que já havia causado constrangimento para os tucanos, também trouxe dor de cabeça aos petistas. O assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em meio a denúncias sobre um esquema de propinas pagas pelas empresas de ônibus da cidade, com o envolvimento de petistas locais - uma das finalidades seria fazer caixa para financiar campanhas - é um tema que até hoje irrita os dirigentes do PT, sempre que o assunto - ainda não esclarecido - volta às manchetes.

O último respingo em direção ao partido ocorreu no bojo da Operação Curupira, quando gravações da Polícia Federal trouxeram a suspeita de que pessoas filiadas ao PT participavam do esquema de desmatamento ilegal, associado a um sistema de arrecadação de fundos para a legenda.

Desde as primeiras nomeações, no início do governo Lula, colocando em cargos estratégicos pessoas indicadas pelos partidos tachados de ''fisiológicos'', são intensas e amarguradas as queixas dos petistas que não pertencem ao Campo Majoritário. Um dos braços fortes nas negociações com parlamentares da base de apoio era Waldomiro Diniz, que assessorava José Dirceu, na Casa Civil, e foi pivô do primeiro grande escândalo do governo Lula.

As indicações para cargos que movimentam altos valores ou têm função fiscalizatória vêm gerando um estanho esquema de controle. De acordo com relatos de deputados das tendências minoritárias da legenda, o governo coloca gente de confiança para ''vigiar'' essas pessoas nomeadas e tentar evitar eventuais passos em falso ou transgressões.

Essa política de ''gato e rato'' gera irritações e desconfianças mútuas e tem como o pior dos seus efeitos a ineficiência e mesmo a paralisação da máquina: ''vigilantes'' e ''vigiados'' se boicotam e se torpedeiam.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Antonio Carlos Biscaia, tem sido, nos últimos dias, o principal porta-voz dos que temem as nomeações ''fisiológicas''. Explica: ele, como muitos outros filiados, entrou para o PT convicto de que a legenda representava uma nova etapa nos costumes políticos do país. Mesmo reconhecendo a necessidade das alianças, afirma que nenhuma conveniência política pode justificar um eventual afrouxamento dos princípios éticos que o atraíram para a legenda.