Título: Mercosul com Justiça
Autor: Carlos Alberto Rabaça
Fonte: Jornal do Brasil, 21/10/2004, Economia, p. A-18

As controvérsias que, nos últimos anos, engessaram o Mercosul, agora serão arbitradas por um tribunal permanente, medida que representa bem mais que o cumprimento de um propósito bem intencionado. Até nossos dias, o Mercosul atuava, na prática, sem órgãos comuns, divorciados daqueles existentes nos países membros. Funcionavam considerando, apenas, a realidade econômica, principalmente comercial, influenciados pelos governos de plantão, cujos conflitos se resolviam por meio de acordos temporais entre funcionários de cada Estado. Ora, um sistema de integração política e econômica sem um tribunal comum e sem normas comunitárias que exerçam eficácia direta e imediata na ordem interna dos países-membros nunca poderá ser capaz de alcançar, por si só, os objetivos que o Tratado de Assunção definiu, anos atrás.

Por esta razão, a constituição de um tribunal permanente de justiça representa muito mais que uma idéia. É o ponto de partida para que o Mercosul se desenvolva como uma autêntica comunidade, com órgãos supranacionais que possibilitem resolver, com independência e eqüidade, as situações de conflito, inevitáveis quando há interesses divergentes. Valiosas oportunidades foram perdidas pelo bloco sul-americano pela ausência, há mais tempo, de instituições de regulação comum.

Devemos ter consciência de que a criação deste tribunal não é a etapa definitiva do aperfeiçoamento de um processo de integração, mas o começo de uma etapa institucional, visando ao aperfeiçoamento jurídico, político e diplomático entre os países-membros do Mercosul. O primeiro passo foi dado. Só nos cabe aguardar que, por meio de uma função pretoriana, o novo tribunal vá suprindo as falhas que dificultam o ordenamento comum, assim como os problemas de interpretação normativa, mediante a adoção de regras e princípios que dêem ao sistema um grau razoável de segurança jurídica, tal como aconteceu com os primeiros passos da justiça comunitária européia. Com isso, ninguém ganhará ou perderá isoladamente, já que todos estarão irmanados por decisões mais justas e, mais do que nunca, serão beneficiados os cidadãos e as empresas que são a razão de ser da existência do Mercosul.

Semana passada, por exemplo, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) decidiu ampliar a abrangência de suas linhas de financiamento, passando a apoiar também determinados produtos fabricados no Mercosul. Tal decisão deverá considerar como produto nacional peças e componentes fabricados por empresas estabelecidas no Mercosul, cujo controle acionário seja de pessoas residentes e domiciliadas em qualquer um dos países do bloco econômico. Com isso, o BNDES pretende dar um passo gigantesco para uma verdadeira integração sul-americana, projeto estratégico que abrirá linhas de crédito para as empresas que almejam criar o conceito de ¿produto Mercosul¿.

Iniciativas como esta serão facilitadas e ainda mais fortalecidas com a existência de um tribunal permanente capaz de elaborar uma jurisprudência comum que produzirá normas susceptíveis de aplicação generalizada, evitando conflitos e embargos desnecessários nos agentes econômicos transnacionais.