Título: O destino nas mãos do Congresso
Autor: Olivia Hirsch e Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Internacional, p. A8

LA PAZ - Depois da renúncia apresentada na noite de segunda-feira pelo presidente da Bolívia, Carlos Mesa, o presidente do Parlamento, Hernando Vaca Díez, resolveu aguardar até hoje, às 16h, o abrandamento dos protestos para começar a plenária que vai decidir se aceita a demissão presidencial. Se os movimentos sociais não suspenderem as manifestações, a decisiva sessão do Congresso será transferida para Sucre, a capital histórica do país. A expectativa é de que os congressistas aceitem a demissão.

- A Bolívia vive um momento crítico e é necessária a normalização democrática - afirmou Vaca Díez.

- Há muitas agressões, ameaças e saques nas ruas. Não há segurança em La Paz para que seja realizada a sessão do Congresso - explicou ao JB Aideé Rojas, jornalista do diário boliviano El Mundo.

Esta é a segunda renúncia apresentada por Mesa este ano. A primeira foi no início de março, quando os parlamentares rejeitaram o pedido e o presidente pôde formar alianças que garantiram uma perene governabilidade. Mas há três semanas, os protestos pela nacionalização do gás natural, pelas autonomias das províncias do Leste e pela eleição de uma Assembléia Constituinte voltaram a se intensificar, com marchas do Movimento ao Socialismo (MAS) e a convocação de greve geral, que parou o país. Na semana passada, em uma derradeira tentativa de controlar a convulsão social, o presidente decretou que a eleição constituinte e o referendo pelas autonomias ocorreriam em outubro, numa medida que desagradou todos os setores sociais, desejosos de que as votações fossem em agosto.

- Acho que minha responsabilidade é dizer ''até aqui posso chegar'' - justificou Mesa, no discurso de renúncia. - Peço perdão à pátria por não tê-la governado adequadamente.

Vaca Díez, que está em Santa Cruz, explicou que ontem não havia as mínimas condições de segurança para que os 157 senadores e deputados pudessem chegar ao Parlamento, no centro de La Paz.

O primeiro na linha de sucessão é o próprio Vaca Díez, seguido do presidente da Câmara dos Deputados, Mario Cossío. Mas a oposição pede que ambos se recusem a assumir a presidência. Os opositores exigem que as eleições gerais sejam antecipadas - talvez ocorram em agosto - e pedem que o presidente da Corte Suprema de Justiça, Eduardo Rodríguez, seja o próximo líder boliviano.

No entanto, congressistas revelaram que Vaca Díez não está disposto a abrir mão da sucessão constitucional. ''Quero ser presidente nem que seja por seis meses'', teria dito.

Embora a renúncia de Mesa tenha sido uma tentativa de acalmar o conturbado clima social na Bolívia, os protestos continuavam. Aos camponeses, operários e professores que invadiram as ruas de La Paz e El Alto há semanas, se uniram ontem dezenas de mineradores vindos de Oruro, que conseguiram, com a permissão dos indígenas, passar pelas estradas bloqueadas. Eles carregavam pequenas bombas de dinamite que explodiram nas ruas da capital administrativa, inclusive em frente à sede do governo. A polícia respondeu com balas de borracha e gás lacrimogêneo. O ar ficou impregnado de fumaça e a imprensa pedia que a população não saísse de casa, sequer colocasse o rosto na janela.

A estrada entre o aeroporto de El Alto e La Paz voltou a ser local de um dos 100 pontos bloqueios de vias no país. Os vôos estão suspensos. Além disso, o governo anunciou o adiantamento das férias escolares de inverno. A falta de transporte devido às paralisações e a escassez de combustível agravaram o cenário. Alguns mercados já não têm carne para vender, e os preços do frango e das verduras dobraram nos últimos dias. O rumor, ainda não concretizado, de que faltaria água fez com a população começasse a estocar bebida e comida.