Título: Autoridade e autoritarismo
Autor: José Renato Avzaradel
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

O exercício do poder público exige uma prática necessária de autoridade. Significa, principalmente, fazer-se respeitar pela seriedade dos atos, pelo compromisso com o cargo e com o respeito pelos cidadãos. Ter autoridade é também assumir responsabilidades pelas próprias ações e suas conseqüências. O sistemático abandono desses compromissos geram na população um sentimento de orfandade.

O prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, ao anunciar publicamente, após um mês de sua reeleição municipal, que irá candidatar-se à presidência da República, ao contrário do que afirmara durante a campanha, deixa à deriva a população da cidade do Rio de Janeiro. Já não temos mais um prefeito em que se possa acreditar.

Aliás, não é de hoje que vivemos uma grande crise de autoridade, que começa dentro de nossas casas e ganha espaços cada vez maiores. Nada mais conveniente, então, do que jogar a responsabilidade no outro, ou seja, fora de nós. Na política, por exemplo, esta é uma prática bastante comum. Todas as mazelas e escândalos sucessivos no Rio de Janeiro têm suscitado um debate bastante consistente sobre a desfusão dos Estados do Rio e da Guanabara. A população do ex-Estado da Guanabara não se sente representada e nem governada. Seguindo o mesmo caminho, o presidente Lula lança a responsabilidade dos juros altos de sua política econômica nos ombros do povo brasileiro ''que não levanta o traseiro''.

Na medida em que se perde a autoridade surgem formas de autoritarismo: umas sutis e outras nem tanto. A autoridade é essencial para o desenvolvimento saudável do ser humano. Exercida principalmente pelo pai, ela representa a voz da lei, dos limites e da proteção. Quando nasce uma criança, o pai tem a função de proteger tanto a mãe quanto o filho, dando à mulher segurança emocional para cuidar do bebê. Posteriormente, o pai ajuda a desfazer a natural simbiose entre a mãe e filho, interpondo entre eles a realidade. Assim, é possível um desenvolvimento saudável da criança e um relacionamento familiar de qualidade.

A autoridade do pai continua a ser fundamental para dar limites à criança, ensinando-a, paulatinamente, que as fantasias e devaneios que ela tem não se realizarão apenas porque foram imaginadas. Medos e inseguranças existem, mas a autoridade paterna cria uma atmosfera de segurança que permite caminhar, avançar.

As funções de autoridade podem falhar em uma ou em todas as instâncias. Duas são as formas mais comuns. A primeira é quando o pai sente-se abandonado pela esposa, porque ela passa a se dedicar predominantemente ao filho. Ressentido, ele reage com ciúmes, abandono e traições. A segunda é quando o pai tenta ser sempre ''bonzinho'' para conquistar o amor do filho, mas sem nunca ter coragem de dizer um não. Em ambos, os desastres são inevitáveis.

Em um plano maior, se o autoritarismo das ditaduras fala por si, o do populismo é mais sutil, sedutor. Como um pai que só diz sim. Não há limites, todos terão tudo o que querem, até mesmo ''casas por um real''. Não se obedece por medo. Segue-se por idealização; vende-se o voto por um vintém. Quando a farsa cai e o desastre se revela surge um estado de perplexidade que envolve a todos.

Quando os governantes abandonam seus compromissos e passam a acusar os outros pelos próprios atos, é um sinal grave de perda de autoridade. E a percepção de desgoverno, de traição, de se sentir entregue à própria sorte vem à tona. Cada vez que o autoritarismo, sempre acompanhado de arrogância, toma à frente, experimentamos sentimentos de orfandade. Depois surge um amadurecimento e a necessidade de uma cidadania mais ativa.

O que ocorreu com o poder judiciário no Espírito Santo - e mais recentemente no Rio de Janeiro - resgata a credibilidade da instituição e a sua função de guardião da justiça, como porta voz legítima da sociedade. O limite claro dessa autoridade permite a expectativa de uma transformação mais ampla e consistente no país.