Título: Mais uma CPI? E daí?
Autor: Denise Frossard
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

Interessante exercício de imaginação será descobrir onde estaria o Waldomiro Diniz e o que estaria ele fazendo, não viessem à tona as gravações de suas conversas com o tal Carlos Cachoeira.

Provavelmente continuaria ele sereno e operoso na ante-sala do presidente da República a vender vantagens para recolher dinheiros para campanhas eleitorais.

Pelo mesmo motivo reinaria tranqüila a vida e o labor do ex-deputado André Luis, que, com certeza, continuaria por aí a fazer dinheiro com lorotas e com o seu diploma de deputado federal. Mesmo o deputado estadual Alessandro Calazans, premiado pelo espírito de corpo (ou de porco) de alguns dos seus colegas de mandato, teria a vantagem de não precisar passar pelo sufoco que passou.

E Maurício Marinho, não fossem as gravações trazidas ao conhecimento do público pela revista Veja? Com certeza, continuaria sentado num dos tronos de comando dos Correios a receber à vista pequenos nacos de dinheiro e, fora da vista, só Deus e o diabo sabem quanto, para ao final do dia receber os colegas de tronos mais confortáveis e com eles repartir o butim.

E Fernando Collor de Mello e parte de sua tropa, não fosse o aparecimento e a disposição do motorista Francisco Eriberto? Possivelmente seria um dos senadores da República e, quem sabe, candidato novamente à melhor, nem por isso mais confortável, cadeira presidencial. Rosane Collor talvez estivesse a ocupar um espaço no Ministério, por conta de alguma composição política que sustentasse a ''governabilidade''. Fatos recentes já comprovaram que, em nome desta tal ''governabilidade'', nenhum mal faz inimigos e adversários de ontem se abraçarem hoje para usarem e abusarem do poder.

Uma lista infinda de casos parecidos comprova que a sorte tem sido nossa aliada, mas fica uma pergunta: pode um país com as dimensões do Brasil e com o seu histórico de corrupção contar só com a sorte?

Podemos afirmar que terminaram os tempos de colloridos, de Waldomiros e de campanhas que buscam dinheiro na corrupção?

Evidente que não. Eles estarão sempre por aí, em grande número, cada vez mais cuidadosos para fugir da sorte que temos. Por isso, é fundamental desenvolver instrumentos de controle, fiscalização e investigação de elevada eficiência para proteger o Estado brasileiro.

E, mais do que isso, é necessário mudar a cultura que abençoa e estimula a barganha como modelo de operação política. Como elemento a sedimentar a convivência entre Executivo e Parlamento.

É este modelo que justifica o financiamento espúrio de campanhas eleitorais com o preenchimento partidário de cargos públicos, sem qualquer preocupação com os méritos profissionais ou morais dos escolhidos. Este é, também, o modelo que autoriza a distribuição arbitrária de verbas públicas, várias vezes travestidas com o título pomposo de ''emendas ao orçamento''. Modelo que subverte as relações entre o poder Executivo e o Congresso nacional ao ponto de humilhar os parlamentares e converter um poder em subsidiária integral de outro.

Somente quando for plenamente substituído este modelo de Frankenstein político, responsável por uma hemorragia de impostos a sangrar o bolso do contribuinte, para em seu lugar se construir um corpo novo de normas administrativas e de atitudes políticas capazes de responder às expectativas da população, teremos governos melhores e fugiremos de ser apanhados, todos os dias, com notícias de uma roubalheira que parece não ter fim.