Título: Desenvolvimento efetivo para todos
Autor: Carlos Lopes
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

Nos últimos 25 anos houve uma ampla redução da extrema pobreza no mundo; apesar disso, mais de um bilhão de pessoas ainda vivem com menos de um dólar por dia. Os desafios existentes são múltiplos nessa área; mas as oportunidades também. Pela primeira vez na história, existem tecnologias e recursos necessários para que o direito ao desenvolvimento seja uma realidade para todas as pessoas. Há ainda um consenso sobre a agenda de desenvolvimento para os próximos dez anos. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) se transformaram em um marco de ação, globalmente aceito, por doadores, países desenvolvidos e em desenvolvimento, sociedade civil e instituições multilaterais.

A Cúpula de Setembro, que reunirá em Nova Iorque os líderes internacionais para fazer um balanço sobre a implementação dos ODM, é uma oportunidade única para alcançar um consenso global sobre a resposta coletiva às ameaças e aos desafios deste novo século.

No mês de março, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apresentou o relatório ''Um conceito mais amplo da liberdade''. A finalidade do documento é propor a adoção de conjunto de compromissos políticos e reformas no âmbito da ONU - que servirão de ingredientes básicos para um pacto global para o desenvolvimento e a consecução efetiva da Declaração do Milênio. O documento apresenta decisões realistas que podem ser tomadas pelos líderes mundiais e subsidiar a elaboração de uma estratégia global factível voltada para os três principais objetivos da ONU: desenvolvimento, segurança e direitos humanos. As pessoas não se sentirão seguras sem desenvolvimento, não desfrutarão do desenvolvimento sem segurança e não terão nenhum deles sem o respeito pelos direitos humanos. Trata-se de objetivos inter-relacionados que obrigam os países a adotarem uma estratégia comum para alcançá-los.

Segundo as palavras de Kofi Annan, as Nações Unidas têm um papel fundamental neste momento de mudança: ''enquanto os propósitos devem ser firmes e os princípios constantes, a prática e a organização devem mudar com os tempos. Se as Nações Unidas pretendem ser um instrumento útil para os seus Estados Membros e para as pessoas, devem estar totalmente adaptadas às necessidades e às circunstâncias do século 21''. Cabe acrescentar que a realidade atual condiciona, igualmente, a formulação e negociação das políticas, dos acordos e dos pactos mundiais - que também devem estar alinhados aos novos tempos e aos seus desafios.

Em relação às Nações Unidas, o documento do Secretário-Geral propõe um sistema com três conselhos dedicados aos principais desafios apontados no relatório: a paz internacional e a segurança; os assuntos sociais e econômicos; e os direitos humanos. Os dois primeiros já existem, mas precisam ser fortalecidos. O terceiro requer uma profunda reestruturação e melhoria do aparato de direitos humanos da organização.

Em primeiro lugar, para que a reforma seja efetiva, o Conselho de Segurança deve responder à realidade geopolítica atual e estabelecer, por meio de uma resolução, os princípios que o nortearão quando da decisão de autorizar ou ordenar o uso da força. O Conselho Econômico e Social terá um papel de liderança na elaboração e implementação de políticas coerentes para o desenvolvimento. O Conselho de Direitos Humanos substituiria a atual Comissão de Direitos Humanos, sua composição seria menor e os membros eleitos diretamente por uma maioria de dois terços da assembléia geral. Os líderes mundiais devem fortalecer o estado de direito, os direitos humanos e a democracia de forma concreta. Esses são tanto objetivos finais quanto meios essenciais para um mundo de justiça, oportunidade e estabilidade.

Kofi Annan propõe ainda a reforma do secretariado, que deve ser mais flexível e transparente para responder às prioridades dos Estados Membros e aos interesses das pessoas. O secretariado seria responsável pela garantia de uma maior coerência no trabalho do sistema das Nações Unidas como um todo, especialmente nas respostas às emergências humanitárias e às questões ambientais. Além disso, no mundo atual, onde uma ameaça dirigida a um implica em uma ameaça para todos, é necessário repensar o conceito de segurança e criar uma convenção internacional sobre o terrorismo baseada em uma definição clara e consensual. O relatório propõe ainda a criação de uma Comissão de Nações Unidas para a construção da paz, assim como a assinatura de uma convenção sobre terrorismo nuclear e um tratado internacional para materiais físseis.

''Um conceito mais amplo da liberdade'' apresenta propostas tanto para os países em desenvolvimento quanto para os desenvolvidos. Aos primeiros aconselha a criação de estratégias nacionais para atingir os ODM, até 2015; o combate à corrupção; e a integração da sociedade civil e do setor privado no processo de desenvolvimento. Aos segundos lembra o compromisso assumido para destinar 0,7% do produto interno bruto para a ajuda oficial para o desenvolvimento, assim como a necessidade de condições mais eqüitativas no comércio internacional. Acrescenta, também, a necessidade de promover acordos internacionais que fomentem o desenvolvimento sustentável e que mitiguem a degradação do meio ambiente; assim como a criação de um fundo comum que possa dar resposta imediata aos desastres naturais.

A miséria que atinge grande parte da população mundial não admite mais desculpas. As oportunidades oferecidas pelas recomendações do relatório ''Um conceito mais amplo da liberdade'' são muitas. Estamos a tempo para aproveitá-las, assumir as nossas responsabilidades e fazer com que, em 2015, os objetivos do desenvolvimento do milênio possam ser uma realidade para todas as pessoas.