Título: Nova tentativa
Autor: Antonio Sepulveda
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Outras Opiniões, p. A13

A governadora Rosinha tem, em Fernando Peregrino, muito mais que um mero secretário; ali está um sabujo disposto a dar o bote contra qualquer ato ou palavra que possa impedir ou até mesmo retardar a consecução das desmesuradas ambições políticas dos patrões. Afinal de contas, se ocorresse a catástrofe de uma eventual ascensão de Garotinho ao Planalto, Peregrino, por sua fidelidade canina, haveria de abocanhar uma prestigiosa sinecura.

E agora Peregrino ameaça este colunista com um processo por ''tentativa de difamação''. Eis aí uma contingência difícil de caracterizar. ''O articulista tentou desacreditar a proba governadora e seu imaculado marido-candidato com opiniões deletérias'', acusaria Peregrino. E o ineficaz colunista, sem o refrigério da imunidade parlamentar, apelaria ao juiz sisudo: ''Prometo caprichar na próxima vez, meritíssimo. Talvez eu tenha mais sorte, se escrever algo original, em vez de repetir o que se publica por aí às escâncaras''.

Pensando bem, não deve ser tão difícil assim demonstrar que Garotinho seja um político medíocre, populista, demagógico e potencialmente danoso em qualquer cargo público que a irresponsabilidade humana lhe venha a confiar. Que o digam, principalmente, os cariocas obrigados a viver na esculhambação e na violência que assolam o desgovernado Rio de Janeiro. Peregrino quer defender o indefensável, e qualquer sugestão para eleger Garotinho presidente, aos olhos de pessoas sensatas, de pessoas de bem, soará como um deboche, como uma pilhéria. Nada mais inconcebível do que um lhano eleitor de Garotinho.

Não se pode, contudo, no Brasil, descartar a possibilidade de efetivamente se condenar alguém por ''tentativa'' de difamação ou por qualquer outra ''tentativa'' de contrariar os sacripantas que ocupam todos os escalões dos poderes públicos, fazendo o que lhes dá na telha. Segundo a revista Veja, por exemplo, a empregada doméstica Maria Aparecida de Matos, paupérrima, deixou recentemente a prisão, onde cumpriu pena de um ano e sete dias pela ''tentativa'' de furtar um xampu e um condicionador de uma farmácia; os produtos custavam R$ 24. Na mesma época, o ex-governador de Roraima, Neudo Campos, também foi preso por desviar R$ 300 milhões da folha salarial do estado; ficou apenas dez dias na cadeia e está livre e rico. Jader Barbalho foi acusado de chefiar a máfia da Sudam, que patrocinou roubalheiras de R$ 1,7 bilhão; ficou onze curtíssimas horas atrás das grades, é deputado, está solto e milionário. O famigerado ex-juiz Nicolau dos Santos Neto se encontra em sua luxuosa mansão; e cadê os R$ 169 milhões desviados das obras do Tribunal Regional do Trabalho? Waldomiro Diniz, aquele do escândalo dos bingos, amigo íntimo do supercomissário José Dirceu (os dois até já dividiram um apartamento) está tão livre quanto Benedita da Silva, dona Rosinha, Geraldo Magela e o próprio Dirceu, que jamais serão investigados; e ai de quem criticá-los sem sequer tentar difamá-los! Maurício Marinho, o que vimos embolsar uma pequena propina de R$ 3 mil, não vai cumprir pena, podemos apostar. E absolutamente nada vai acontecer com o sinistro Roberto Jefferson, dono de uma rede de cargos no segundo escalão do governo, ex-capanga de Collor de Mello e atual cortesão prestigiado de Lula da Silva.

Mesmo diante deste cenário absurdo, criado por políticos e magistrados de personalidade distorcida e caráter duvidoso, o espevitado Peregrino entende que a mídia deveria elogiar essa corja. E ainda que o valete de Rosinha tivesse alguma razão, é como diz o povo: ''Não se faz de um jerico um cavalo de corrida''. E nem é necessário difamar a triste figura de Garotinho; este, sendo quem é, sabe fazer isso sozinho e com maestria.