Título: Além do Fato: O reator da história
Autor: Luiz Sérgio Nóbrega
Fonte: Jornal do Brasil, 08/06/2005, Economia & Negócios, p. A20

Há pouco mais de 50 anos entrava em operação, na pequena cidade de Obninsk, antiga União Soviética, a primeira usina nuclear do mundo destinada a fornecer energia elétrica à população. Desde então, a utilização de reatores nucleares para fins pacíficos só fez crescer. Hoje existem 434 usinas em operação e há outras 36 em construção, além de diversas unidades, especialmente nos Estados Unidos, cuja vida útil está sendo prorrogada em até 20 anos, através da renovação de suas licenças. Esse quadro abre a possibilidade de que a ainda jovem tecnologia nuclear passe a ser, num futuro próximo, a segunda principal fonte de energia elétrica do mundo. Atualmente responsável por 17% da eletricidade global, os reatores nucleares estão atrás apenas das hidrelétricas (18%) e do carvão (40%).

A forte tendência internacional pela retomada dos investimentos na indústria nuclear ¿ para fins pacíficos, é sempre bom lembrar ¿ ganhou nos últimos meses um defensor insuspeito.

O respeitado ecologista britânico James Lovelock, famoso pelo desenvolvimento da Teoria Gaia, que considera todo o planeta como um único ser vivo, tem deixado claro em artigos e entrevistas publicados nos mais importantes jornais do mundo, que a energia nuclear é a única maneira segura de conseguirmos cumprir as metas de redução da emissão global de gases estabelecidas pelo Protocolo de Kioto, sem comprometer a oferta de energia disponível no planeta e garantindo a interrupção do processo de aquecimento global.

No início do século XXI, a resistência à energia nuclear, portanto, vem de pequenos grupos que ainda não conseguem observar a diferença gritante que existe entre a utilização pacífica e segura da energia nuclear para geração elétrica e o perigoso desenvolvimento de armas de destruição em massa.

Entre as nações há o caso da Itália, que baniu a tecnologia nuclear no fim dos anos 80, mas, ironicamente, precisa importar quase 20% da energia que consome utilizando-se, inclusive, da energia nuclear produzida há anos em larga escala na França.

Já na Suíça, no ano passado, 60% da população decidiu, em referendo popular, suspender a moratória imposta pelo governo ao programa nuclear do país, abrindo caminho para a construção de novas unidades.

Em contrapartida, a Suécia, que em 1997 optou por encerrar gradativamente a operação de seus reatores, passou a importar energia da Dinamarca logo após desativar a usina nuclear de Barsebäck 1.

Na Ásia também há um crescimento da opção nuclear de geração elétrica em países como China, Índia, Coréia do Sul e Japão. Só os chineses, donos da economia que mais cresce no mundo, têm planos para quadruplicar seu potencial energético obtido através de usinas nucleares.

Na Índia, outro gigante em desenvolvimento, já existem 14 usinas em operação e outras oito em construção.

Por que o Brasil, então, deveria abdicar dessa tecnologia?

Logo nós que somos o sexto maior produtor mundial de urânio, com expectativa de chegar a segundo maior produtor à medida que novas áreas forem prospectadas.

Recentemente entramos para o seleto clube dos países que detém a tecnologia de enriquecimento do mineral em ultracentrífugas. Desenvolvemos sozinhos, por mérito inquestionável de nossos técnicos, um novo método capaz de baratear o processo de produção do urânio enriquecido o que vem despertando a cobiça internacional.

A Eletronuclear, empresa que opera as usinas Angra 1 e 2, recebe regularmente missões da Agência Internacional de Energia Atômica que atestam a qualidade de nossos profissionais na área nuclear e o desempenho seguro e satisfatório de nossos reatores.

Escrevo isso com o conhecimento de quem foi prefeito da cidade de Angra dos Reis. Acompanhei todo o processo de implantação das usinas nucleares na cidade e pude conhecer de perto o trabalho desenvolvido por nossos técnicos e engenheiros.

Por isso defendi a conclusão de Angra 2 e defendo agora construção de Angra 3.

O Brasil não pode dar as costas para uma tecnologia de ponta que promete ser a base do sistema energético mundial nas próximas décadas.

Angra 3 é fundamental para a consolidação do pleno domínio da tecnologia nuclear pelo Brasil.

A expectativa de que o Governo federal confirme a tendência de decidir favoravelmente pela construção da usina deve ser comemorada como uma conquista de todo o País.

Temos o dever de concluir este projeto sob pena de perdermos não o bonde, mas reator da história.