O Globo, n. 32792, 19/05/2023. Economia, p. 12

Randolfe deixa a Rede após desentendimento com Marina Silva

Camila Turtelli
Alice Cravo
Manoel Ventura
Sérgio Roxo


A queda de braço entre Petrobras e Ibama em torno da perfuração de um poço de petróleo na foz do Rio Amazonas agravou o desentendimento entre dois políticos com forte influência no governo Lula. Ontem, após o Ibama negar licença à empresa, o senador Randolfe Rodrigues (AP), líder do governo no Congresso, foi às redes sociais para anunciar a sua saída da Rede Sustentabilidade. Na mensagem, não fez qualquer menção à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, principal nome do partido, com quem vinha divergindo. Preferiu citar a ex-senadora Heloísa Helena, que também vem se distanciando da ministra.

“Agradeço o companheirismo e o convívio deste período, em especial levo para toda a vida exemplos de lealdade ao povo, como o da companheira Heloísa Helena, que ontem, hoje e sempre me inspirará”, escreveu o senador.

Antes de anunciar sua saída do partido, Randolfe fez críticas à decisão do Ibama, já que a exploração da Margem Equatorial interessa ao estado dele, o Amapá. “A decisão do Ibama contrária às pesquisas na costa do Amapá não ouviu o governo local e nenhum cidadão do meu estado. O povo amapaense quer ter o direito de ser escutado sobre a possível existência e eventual destino de nossas riquezas.”

Ele também falou em entrevista a uma rádio do estado que havia uma expectativa de uma decisão favorável, que foi frustrada:

—Tinha se criado uma expectativa mais otimista na autorização da pesquisa. O que os amapaenses estão querendo saber é se existe ou não riqueza mineral na sua costa, é esse direito que está sendo sequestrado dos amapaenses.

Agostinho rejeita pressão

Randolfe começou a carreira política como deputado estadual pelo Amapá, em 1998, filiado ao PT. Em 2005, ingressou no PSOL, onde foi eleito senador pela primeira vez, em 2010. Sua filiação à Rede ocorreu em 2015. No início do ano, o presidente Lula convidou Randolfe para retornar ao PT, mas as conversas não avançaram. O líder do governo não disse para qual sigla vai.

Apesar do conflito de Randolfe com Marina, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que a decisão foi inteiramente sua, seguindo recomendação técnica do órgão, e não passou pela ministra, a quem está subordinado.

— A decisão foi técnica, assim como o despacho, baseado na ciência. Marina deixou muito claro para mim que a decisão era nossa. O Ibama não toma decisão com base em pressão política e, obviamente, nem toda decisão agrada todo mundo. Isso não quer dizer que não somos sensíveis às questões do Amapá, mas nossa decisão é sobre a viabilidade ambiental e não sobre questões econômicas — disse Agostinho ao GLOBO.

Marina já disse que o empreendimento na Foz do Amazonas é “altamente impactante” e que vê o caso da mesma forma que olhou para a usina de Belo Monte. A construção da hidrelétrica no Pará gerou conflitos com Lula durante o segundo mandato dele (20032010) e foi um dos motivos que a levaram a deixar o governo em 2008 e, depois, o PT.

O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, vai se reunir hoje com Marina e com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Os encontros com os ministros ocorrerão de forma separada. De acordo com a agenda oficial, Alckmin recebe Silveira às 14h e Marina às 15h. Auxiliares de Lula acreditam que o governo só deve ter uma posição sobre o assunto quando o presidente voltar do Japão, na terça-feira.

Outros parlamentares da bancada do Amapá criticaram a decisão do Ibama. O senador Davi Alcolumbre (União-AP) chamou o veto de “desrespeito” ao povo do estado: “Vamos lutar unidos, amparados por critérios técnicos, legais, razoáveis e proporcionais, em conjunto com o governo federal, bancadas federal e estadual, governo do estado, entidades e sociedade civil para reverter essa decisão equivocada e injusta. O Amapá lutará, e não lutaremos sozinhos”, afirmou.

O senador pediu agenda com Alckmin para tratar do assunto e também quer conversar com Lula sobre o tema. Ele tenta mobilizar bancadas da região tanto na Câmara quanto no Senado para pressionar o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente.

O governador do Amapá, Clécio Luis (Solidariedade), chamou de “absurda” a decisão do Ibama:

“É lamentável que uma instituição como o Ibama não tenha nos dado ouvidos. Essa foi uma decisão muito mais argumentada na ideologia de quem decidiu, de gabinete, frágil, totalmente fora da realidade da Amazônia. Com informações equivocadas, baseadas em mitos”, escreveu numa rede social.

Ele afirmou que o Ibama impede a fase de pesquisas: “Estão nos negando conhecimento sobre o que é patrimônio nosso. Patrimônio do Amapá e Brasil”, acrescentou.

O senador Lucas Barreto (PSD-AP) disse que a bancada se reunirá amanhã em audiência pública no Oiapoque (AP).

— Este é um momento de paciência e prudência. Não vamos aceitar isso pacificamente —afirmou Barreto.

Os amapaenses também tiveram o apoio de outros estados do Norte. O senador Eduardo Braga (MDB), do Amazonas, defendeu uma exploração responsável:

— Nós não podemos ser proibidos de tudo em nome da conservação ambiental, sob pena de nós morrermos de fome. A fome destrói o meio ambiente. E, portanto, é possível fazer a exploração de petróleo de forma responsável.

Na Câmara, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, criticou:

— É uma decisão protelatória, equivocada, desprovida de impacto ambiental e já possui entendimento da Corte Superior. Temos que reverter isso.