O Globo, n. 32792, 19/05/2023. Economia, p. 13

Relator do arcabouço vê alta de gastos de só R$ 10 bi

Victoria Abel
Manoel Ventura
Ivan Martínez-Vargas


O relator do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PPBA), negou que o substitutivo editado por ele no início da semana abra espaço para ampliação de gastos em até R$ 80 bilhões, cálculo feito por economistas do mercado financeiro. Ele estima um aumento na faixa de R$ 10 bilhões, mesma quantia prevista pelo Ministério da Fazenda:

— Os números são incorretos e improcedentes. Não existe nenhuma alteração do valor da despesa que foi ofertada (pelo governo). Mantivemos o que veio no texto original, apenas mudando o que era estimado de inflação de julho a dezembro (deste ano). E concretizamos de julho de 2023 a junho de 2022. A diferença que passa a existir, de 2%, colocamos como possibilidade de o governo utilizar em crédito adicional. Nós aumentamos em 2,5% o aumento real, para que houvesse essa correção.

A conta de Cajado contraria, por exemplo, a do ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e especialista em contas públicas. Ele entende que haverá forte aumento de despesas no ano que vem, por dois fatores. Primeiro, porque o relator alterou a referência para o cálculo da inflação que irá corrigir o limite de gastos. Mas permitiu que a diferença entre a inflação realizada no fim do ano e aquela que consta no Orçamento seja utilizada para despesas no ano seguinte. Pelas contas de Bittencourt, a diferença entre o IPCA do ano fechado de 2023 (5,8%) para o de 12 meses encerrados em junho deste ano (3,7%) dará R$ 42 bilhões em gastos extras.

Além disso, Cajado manteve a regra proposta pelo governo, que estabelece que as despesas sempre crescerão o equivalente à inflação mais 70% da variação real da receita. O texto, porém, já determina que para o ano de 2024 a correção dos limites se dará pelo máximo permitido pela regra (2,5%), independentemente da receita aferida pelo governo. Isso dará mais R$ 38 bilhões de despesas no ano que vem.

Em agenda no escritório do Ministério da Fazenda na Avenida Paulista, em São Paulo, o ministro Fernando Haddad afirmou ontem que a aprovação do regime de urgência do novo arcabouço fiscal no Congresso é uma vitória do governo e que, pelas projeções dos técnicos da Fazenda e do Tesouro, em qualquer cenário o crescimento de despesas do governo seria inferior a 50% da alta de receita até 2024.

— O relator (do marco fiscal), deputado Cajado, foi uma pessoa muito habilidosa em construir essa expressiva votação na Câmara, e esperamos que até a semana que vem a gente tenha a tranquilidade de dar um suporte técnico para a Câmara. O suporte será dado com as contas que precisarem ser feitas em relação às dúvidas de parlamentares sobre a inclusão de despesas no teto de gastos e na questão da diferença entre inflação projetada ou apurada no final do ano. Esses pequenos detalhes que foram alterados no relatório —disse.

40 propostas de emendas

No podcast 2+1, Cajado afirmou que já recebeu 40 solicitações de possíveis emendas ao projeto. Ele se comprometeu a analisar os pedidos e acrescentar ao relatório se houver consenso entre as lideranças de que as alterações melhoram o texto:

— Até agora, são 40 solicitações de apresentações de emendas. Eu vou analisar de forma muito dedicada, vamos ver as justificativas de cada um, e eu vou dar meu parecer. Sugestões que estão surgindo também vamos analisar. Se vier para aperfeiçoar o texto, podemos levar em consideração. Mas acho que o texto ficou equilibrado. Meu receio é mexer para alterar um lado e criar descompasso em outro lado.

O deputado destacou que existe um acordo para que alterações passem não apenas pela avaliação dos parlamentares, mas pelo crivo dos ministérios da área econômica. Ele acredita que o texto está blindado de disputas políticas:

— Se dependesse da base do governo, nem sei se seriam aprovadas matérias de quórum simples. Existem matérias que vão além do interesse do governo. Mesmo que o ambiente político esteja contaminado, matérias como essa não serão contaminadas.

O relator do arcabouço ainda considerou a figura do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), essencial para a aprovação da proposta.

— Acho que seria mais difícil. Nós sabemos separar a disputa eleitoral, a disputa política partidária, daquilo que interessa ao Brasil — afirmou Cajado, que é do mesmo partido de Lira.