O Estado de S. Paulo, n. 46626, 14/06/2021. Política, p. A6
'Bolsonaro não obedece às regras do
sistema democrático'
Entrevista:
Francisco Weffort, cientista político
Na avaliação de Weffort, é muito difícil um país com o espírito regional forte,
como o Brasil, virar uma ditadura
O
sr. trabalha a ideia de que a democratização por via autoritária torna difuso o
conceito de que a política se realiza à parte da sociedade, de que a vontade do
líder vale mais do que o respeito às leis, de que a política só se efetiva
quando autoritária...
A
política só se efetiva quando ela fala, se expressa pelo líder, pelo chefe,
pelo comandante. Essa é a ideia básica. O Bolsonaro acredita que deve opinar
sobre tudo como se pudesse entender de tudo. Estamos em uma pandemia e ele
agora decide da cabeça dele que não é necessário usar máscara para quem já foi
vacinado. Ou seja, não obedece às regras habituais de
um sistema democrático. Nesse sentido é autoritário.
Ele
se insere dentro da tradição do Exército de intervir na vida política da
República?
Eu
diria que ele quer relembrar a tradição. Quer convocar essa tradição a favor
dele, mas é muito diferente, como significado político, de toda essa tradição,
pois ela é a tradição do tenentismo. Ele não é bem esse personagem, mas quer
lembrar essa tradição em nome dele. Então diz: “O meu Exército”.
Tenta
reeditar a ideia de uma reforma institucional que passe pela moralização da
política?
Exatamente.
Se você lembrar bem, a Revolução de 1930 foi uma revolução em nome da
moralidade pública, um grande movimento de opinião pública que passou pelas
Forças Arma- das e entrou na tradição militar. É verdadeiramente da tradição
brasileira. É curioso, mas a Revolução de 1930 é uma luta pela democracia, pois
a democracia que tínhamos era restrita, oligárquica. Fica na tradição a
lembrança da democracia vencendo. É parte do discurso oficial brasileiro, parte
do sonho brasileiro – digamos assim, o fantasma brasileiro –, da ilusão
brasileira da democracia. E parte das tradições de origem militar.
O
sr. diz no seu texto que ainda seremos uma democracia plena. Qual a razão desse
otimismo?
(Risos) Em toda previsão há um tanto de vontade de futuro, de wishful thinking. É claro que me
identifico com a ideia de um Brasil democrático no futuro. E acho que o Brasil
se tem democratizado. De 1930 para cá, mas antes inclusive, apesar de todos os
vaivéns, o País se democratizou muito.
O
sr. acha que esse processo não se interrompe?
Não.
Nesse momento, nós estamos em um lusco-fusco. Pode haver uma tentativa de
interrupção agora, mas não acredito que ela se firme, porque esse é o sonho
brasileiro. Ou você sonha com a democracia ou tem a ilusão da democracia. A
ilusão da democracia está entre nós. Desde 1930. Inclusive o golpe de 1964 foi
dado em nome da democracia. Foi dado contra a possibilidade de um comunismo
golpista que viria do outro lado. Tanto que, imediatamente, depois dele, uma
parte importante da opinião que o apoiou ficou contra, pois não aceitava, não
que- ria a ditadura. Uma das coisas gloriosas do Estadão a meu ver foi isso. Eu
acredito que te- remos a democracia. Nós como Nação. Somos parte da economia do
mundo. Nossas regiões têm definições culturais fortes. O espírito regional no
País é forte, daí a necessidade do federalismo, do Senado. É muito difícil um
País com essas características, a essa altura, virar uma ditadura. Nós não
somos uma república das bananas. Aqui tem muito mais do que
bananas. / M.G.